Em ‘docudrama’, atrizes revivem experiência retratada em diário
Filme ‘Vermelho Russo’ traz Martha Nowill e Maria Manoella interpretando papéis de si mesmas
‘Pode ser tudo verdade ou tudo mentira’, diz Manoella, que com Nowill reviveu período de estudos na Rússia
“Não sei como não fomos expulsos do avião”, anota a atriz Martha Nowill no diário. “Eu teria matado alguém se tivesse que [...] aturar uma equipe de cinema de baixo orçamento filmando sem autorização durante a viagem inteira.”
É quase um metadiário. Ou do “diário do filme do diário”, como ela mesma define.
O filme é “Vermelho Russo”, que estreou nesta quinta (27) e tem por base escritos pessoais de quando Nowill foi à Rússia estudar atuação, em 2008. Já o diário que abre esta reportagem é o das filmagens do longa, em 2014.
O primeiro diário, o de 2008, foi publicado na revista “piauí”, compilando as observações sarcásticas que Nowill colheu quando ela e a melhor amiga, a também atriz Maria Manoella, passaram 40 dias estudando o Método Stanislávski em Moscou.
“Cheguei achando que ia arrasar e fui esculhambada”, lembra Martha. “Foi doloroso, mas hoje é engraçado.”
O diretor Charly Braun leu as sacadas e viu ali um filme, um “docudrama” recontando a experiência, com as atrizes interpretando a si mesmas, na mesma gélida Rússia.
“A primeira sensação que tive foi a de que gostaria de ter feito essa viagem também”, diz ele. Também lhe interessava o fato de que o projeto seria um híbrido entre a ficção e o documental, interseção pela qual já enveredara.
Mas a Rússia não é lá um cenário muito domável.
“Na primeira semana a gente começou a achar tudo ruim”, conta Martha. “E começamos um trabalho insano de reescrever o roteiro enquanto filmávamos.”
“Depois entendi que o filme era uma nova experiência: não importava se tudo era o mesmo de antes ou não.”
Boa parte do que está na tela é fruto de improvisação. “Pode ser tudo verdade ou pode ser tudo mentira”, diz Manoella, sem abrir o que de fato foi ensaiado. “A autoficção permite essa confusão.”
Um retiro de artistas soviéticos serve de alojamento e proporciona outro leque de situações. A escola é outra, mas o duro método está lá. O TAL DO MÉTODO No começo do século 20, o teatrólogo moscovita Konstantin Stanislávski (1863-1938) elaborou um sistema de interpretação com base nas observações que fazia do próprio trabalho e de seus contemporâneos do Teatro de Arte de Moscou. Calcou a sistematização no realismo psicológico e no subtexto das ações.
No filme, Manoella se viu atuando em pleno método. “Essa era uma história que eu conhecia. Não precisava decorar o texto, sabia todas as circunstâncias”, diz. “Isso deu naturalidade, frescor.”
Ela diz, contudo, que “Vermelho Russo” é um filme que vai muito além, da história de “duas garotas que vão estudar no frio”. “Isso é só pano de fundo. É uma história sobre amizade. Generosamente, abrimos ao espectador a nossa intimidade.”
Martha brinca: “Sempre quis fazer protagonista no cinema. Acho louco que meu primeiro grande papel tenha sido eu mesma que me dei.”