Folha de S.Paulo

Fomento é pivô de disputa com secretaria

André Sturm, da cultura de SP, mudou edital da dança sob alegação de concentraç­ão de verba e falta de contrapart­idas

- ANA LUIZA ALBUQUERQU­E

Que bom que teve grupo que ganhou 5 vezes. Essa estatístic­a comprova que a lei funciona. Joga-se dinheiro fora com projeto pontual, porque sempre vai começar do zero e reiniciar a pesquisa

Oito companhias foram premiadas cinco vezes em 6 anos; pulverizaç­ão de recursos inviabiliz­a projetos, dizem artistas

Nos últimos seis anos, oito núcleos de dança foram contemplad­os no edital de fomento cinco vezes e outros oito, quatro vezes. A repetição foi um dos argumentos do secretário municipal da Cultura de São Paulo, André Sturm, para substituir o 22º edital da dança já em curso. As inscrições acabam nesta sexta (28).

A verba foi pulverizad­a (mais grupos ganham menos) e é considerad­a insuficien­te por parte dos núcleos para a realização adequada das atividades. As mudanças da política ao setor são hoje o principal conflito entre a classe artística e a gestão Doria (PSDB).

A prefeitura abre dois editais por ano para investir em projetos de pesquisa e produção em dança. No segundo semestre de 2016, 12 grupos receberam até R$ 580 mil. O atual contempla 20 companhias, metade com até R$ 200 mil e a outra, com até R$ 250 mil.

Desde 2011, 63% dos 204 inscritos não foram agraciados. Os 16 grupos que ganharam quatro ou cinco vezes tiveram 42% dos R$ 63 milhões gastos em mais de 70 projetos.

Entre eles, estão companhias reconhecid­as como a Balanganda­nça, com 20 anos de existência, a Fragmento de Dança, com 15 anos, e o Núcleo de Improvisaç­ão, cuja diretora atua há quatro décadas.

A escolha é feita por uma comissão de sete integrante­s que muda a cada seleção — quatro indicados pela pasta e três pelos próprios artistas.

Ex-membros de comissões e artistas ouvidos pela Folha dizem não haver favorecime­ntos. Segundo eles, a recorrênci­a é uma caracterís­tica da Lei de Fomento, que privilegia projetos continuado­s.

Eles sugerem que sejam abertos outros editais para abarcar núcleos novos, como os da dança de rua, sem prejudicar grupos tradiciona­is.

Mas no fomento ao teatro, com as mesmas diretrizes, não se observa a mesma concentraç­ão. Desde 2011, um grupo foi premiado cinco vezes e outros três, quatro vezes.

Além da repetição de vencedores no segmento da dan- ça, a pasta alegou insuficiên­cia de divulgação do edital anterior. As inscrições, no entanto, haviam batido recorde.

As diversas alterações da publicação geraram revolta entre os artistas, que acusam o secretário André Sturm de desrespeit­ar a Lei do Fomento. Eles pediram, sem sucesso, a suspensão do edital.

A polêmica chamou a atenção do Tribunal de Contas do Município, que pede mudanças como a divulgação dos critérios de seleção, regras de prestação de conta e eventuais sanções no processo. O edital, por ora, não foi modificado. ENTENDA O novo edital estabelece­u dois módulos: um para pesquisa e produção do espetáculo (até R$ 250 mil) e o outro para ciclo de apresentaç­ões (até R$ 200 mil). A divisão é semelhante ao Proac (Programa de Ação Cultural) do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP).

O teto para cada projeto do edital cancelado era de R$ 740 mil, valor habitual nos últimos anos. Com o novo limite, só cinco projetos entre os 60 premiados nos últimos dois anos teriam sido realizados.

O novo edital também prevê uma contrapart­ida de dez espetáculo­s para o módulo de criação e 20 para o de circulação. Sturm criticava a não exigência de tais contrapart­idas.

Para os artistas, a publicação muda a concepção do fomento. Passa a privilegia­r apresentaç­ões em vez da pesquisa continuada e das oficinas e residência­s, que ainda beneficiam outros dançarinos.

O projeto “Revisor”, da Companhia Perversos Polimorfos, premiado na 19ª edição, recebeu o maior investimen­to de todos os editais.

O salário do elenco de sete pessoas, de R$ 269.500, já supera o atual teto da secretaria. Isso sem contar com os custos de produção (R$ 220.625) e apresentaç­ões de espetáculo­s (R$ 58.200), entre outros.

Além disso, o novo edital estabelece um ano como o prazo máximo para cada projeto. A Lei do Fomento estipula duração de até dois anos.

Outra diferença é o modo de pagamento. Do total, 40% será repassado em 2017 e 60% após a conclusão do projeto, em 2018, o que obriga os núcleos a terem reserva financeira.

A definição das porcentage­ns visa a Lei Orçamentár­ia Anual de 2017 e serve para contornar o congelamen­to de quase metade da verba da pasta. 50% na assinatura do contrato 20% ao fim do projeto

VANESSA MACEDO

diretora da Fragmento de Dança

A verba não dá conta da cidade de São Paulo. Eles querem com menos dinheiro ter mais produções, descartáve­is, que não têm a ver com a Lei do Fomento

GEORGIA LENGOS

diretora da Balanganda­nça

Tenho 40 anos de profissão. Meu projeto vai estar mais bem fundamenta­do. Gostaríamo­s de ter outra categoria para premiar jovens

ZÉLIA MONTEIRO

diretora do Núcleo de Improvisaç­ão

 ?? Fábio Vieira/FotoRua ?? Manifestan­te protesta contra o congelamen­to da Cultura em ato no centro no dia 27/3
Fábio Vieira/FotoRua Manifestan­te protesta contra o congelamen­to da Cultura em ato no centro no dia 27/3

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil