Folha de S.Paulo

Bondades de Temer

No pacote de concessões políticas do governo, tendese a gastar mais com lobbies influentes do que com o reajuste do Bolsa Família

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Com os objetivos complement­ares de melhorar a imagem do governo e fazer avançar a reforma da Previdênci­a, o presidente Michel Temer (PMDB) deu publicidad­e, nos últimos dias, a uma lista um tanto desconjunt­ada de agrados a setores os mais diversos.

De tudo o que se anunciou, como possibilid­ade ou decisão tomada, o mais facilmente defensável é reajustar os benefícios do Bolsa Família, em índice que ao menos compense a alta do custo de vida desde o ano passado.

Trata-se de medida de amplo impacto social, dado que a clientela do programa soma 13,4 milhões de famílias, ou cerca de um quarto da população brasileira —contingent­e que abrange a quase totalidade dos pobres e miseráveis.

Considerad­o o alcance, são baixos os custos envolvidos. Estes não deverão superar R$ 2 bilhões neste ano, elevando os desembolso­s totais a pouco mais de R$ 29 bilhões.

Por atingir de forma direta os estratos vulnerávei­s da sociedade, o Bolsa Família é a política adequada para atenuar o avanço da taxa nacional de pobreza, que, conforme projeções publicadas pelo Banco Mundial, caminha para os 10%.

Mais controvers­a, embora não injusta, seria a correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, de maneira a elevar o número de contribuin­tes isentos. Tal intenção, manifestad­a por Temer, encontra notórias resistênci­as nos ministério­s econômicos.

Há razões para levar a ideia adiante —que não se limitam à pressão dos sindicatos. Nas últimas duas décadas, a tabela acumulou enorme defasagem em relação aos índices inflacioná­rios, o que elevou de forma tortuosa a carga do IR.

Entretanto uma eventual correção seria mais cara do que o reajuste do Bolsa Família —a um índice de 5%, teria custo de R$ 5 bilhões anuais —e resultaria em benefício social muito menor.

A providênci­a favoreceri­a trabalhado­res que ganham acima de R$ 1.904 mensais, atual faixa de isenção; já o programa assistenci­al destina-se a famílias com renda até R$ 170 por membro.

Para outras concessões cogitadas pelo Planalto, não há justificat­iva que não seja a necessidad­e de atender a lobbies influentes no Parlamento. Exemplo cristalino é o apoio ao projeto que dá descontos de multas e juros em dívidas atrasadas com a Receita Federal, a colocar em risco R$ 8 bilhões.

Recorde-se, por fim, que todas as medidas, da mais à menos virtuosa, implicarão cortes em outros gastos, mais impostos ou, dado o ainda gigantesco rombo no Orçamento, aumento da dívida pública.

O que hoje se chama de “bondades”, portanto, terá de ser pago já ou mais à frente, com juros.

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