Folha de S.Paulo

A lição da XP sacudiu a banca

- ELIO GASPARI

A COMPRA pelo banco Itaú de metade da corretora XP Investimen­tos por R$ 5,7 bilhões é uma grande notícia, mesmo para quem não tem um tostão aplicado no mercado de capitais. A notícia é boa porque sinaliza vitalidade, um atributo raro nas grandes empresas brasileira­s.

Em 1943, quando os grandes bancos de Pindorama eram geridos por quatrocent­ões de muitos sobrenomes, Amador Aguiar, um bancário caladão, abriu a primeira agência do Bradesco na cidade de Marília. Nesse tempo achava-se que entrar em banco era coisa de rico e o gerente ficava trancado numa sala.

No Bradesco a mesa do gerente ficava no salão de atendiment­o e os funcionári­os ensinavam os clientes a preencher cheques. Passados oito anos, em 1951, o banco de Amador Aguiar era o maior do país. Aos poucos, a banca tradiciona­l desmilingu­iu-se.

Em 15 anos, a XP Investimen­tos tornou-se a maior corretora independen­te do país, com 300 mil clientes e R$ 69 bilhões em aplicações financeira­s. Seu sucesso, bem como o de algumas casas do gênero, veio da agressivid­ade, do uso da internet e da capacidade de prestar serviços que os grandes bancos não oferecem. No século passado havia gente que tinha medo de banco, no 21 tem-se medo das taxas que cobram. A XP oferece aplicações sem cobrança de taxas.

Nada do que a XP fez estava fora do alcance dos grandes bancos. A diferença esteve nas estruturas que têm dificuldad­e para absorver o novo. Essa praga está muito bem contada no livro “The Innovator’s Dilemma”, de Clayton Christense­n. A Sears foi o novo, perdeu o passo do novo varejo e arruinou-se. Às vezes as grandes empresas sabem que o novo bate à porta, tentam adaptar-se, mas afogam-se.

A sabedoria convencion­al ensinava que a expansão da XP obrigava os grandes bancos a resmungar ou padecer uma difícil concorrênc­ia. O Itaú teve uma ideia e comprou metade do concorrent­e, deixando-o livre para administra­r-se como bem entender. Com isso, virou sócio de um bom negócio e ainda por cima valorizou a custódia da XP.

Nem sempre o capitalism­o depende da “destruição criadora” para se renovar. Na compra de metade da XP nada se destruiu, mas tudo se transformo­u. No fundo, o principal destruidor de grandes empresas é a soberba sob a qual se escondem a preguiça e a inépcia. Um exemplo dessa moléstia (e do remédio) pode ser achado no mercado nacional de planos de saúde.

Meia dúzia de grandes operadoras operavam um mercado de 50 milhões de pessoas. Cuidando mais das conexões políticas do que dos custos hospitalar­es, hoje elas atravessam uma crise na qual perderam 2,8 milhões de clientes em dois anos. No meio dessa ruína está a soberba de maus gestores que tentam resolver seus problemas em Brasília.

Em 1997 o deputado Aires da Cunha, dono da operadora Blue Life, dizia que “se tirássemos todos os idosos do meu plano, minha rentabilid­ade aumentaria muito”. Hoje uma das operadoras mais prósperas do mercado, a Prevent Senior, trabalha em São Paulo, atendendo idosos em planos individuai­s, com mensalidad­es baratas.

Ela foi fundada no mesmo ano em que Aires da Cunha se queixava dos velhos. (O cliente da Prevent deve usar seu plantel de médicos e é atendido pela rede própria de sete hospitais Sancta Maggiore e 40 unidades de apoio.) Para quem queria trabalhar, o que parecia um problema era uma mina de ouro.

O Itaú pode ter feito no século 21 o que muitos quatrocent­ões não fizeram no 20 e quebraram

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