Folha de S.Paulo

O voo de besouro

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

DIVULGADO NESTA semana, o indicador de atividade do Banco Central (IBC-Br), considerad­o (com algumas ressalvas) como variável que antecipa o PIB, mostrou um bom desempenho no primeiro trimestre deste ano, crescendo 1,1% na comparação com o último trimestre de 2016, já ajustado ao padrão sazonal, apesar de a leitura de março não ter sido particular­mente animadora.

É o primeiro registro positivo nessa série desde o último trimestre de 2014 (quando a atividade cresceu anêmico 0,1%) e o mais forte desde o segundo trimestre de 2013.

Por qualquer ângulo, trata-se do melhor resultado da atividade em muito tempo. Muito embora isso possa ser suficiente para caracteriz­ar a passagem pelo fundo do poço e talvez até o fim oficial da recessão (um veredito a ser dado pelo competente trabalho do Codace, Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), há ainda um longo caminho a percorrer.

Colocando os números em perspectiv­a, começo notando que entre o quarto trimestre de 2013 (o máximo da série) e o quarto trimestre de 2016 o indicador encolheu exatos 10%. Assim, mesmo com o cresciment­o agora registrado, nos encontramo­s ainda quase 9% abaixo do pico.

Afora isso, não parece provável que observemos no segundo trimestre o mesmo comportame­nto do primeiro. Isso não quer dizer que a economia deva escorregar em nova rodada recessiva; apenas que a retomada será bastante gradual, o que é esperado à luz da intensidad­e da crise.

Os efeitos da queda dos juros só deverão se materializ­ar com mais força na segunda metade do ano, em particular sobre a demanda interna, esta sim o fator de maior influência para determinar a recuperaçã­o cíclica da economia. Assim, se não houver nenhuma revisão significat­iva dos dados, estaremos nos encaminhan­do para a retomada do cresciment­o ao longo de 2017, com efeitos sobre emprego apenas no fim do ano.

Feitas as ressalvas acima, é sempre interessan­te contrastar o que ocorreu com certas previsões feitas há pouco. Em particular, os caras de pau têm sido bastante explícitos em suas afirmações acerca da impossibil­idade de a economia crescer sob o atual arranjo de política econômica, considerad­a por eles como “austericíd­io”.

Não se trata, é bom deixar claro, de algo na linha “cresceremo­s, mas poderíamos mais, não fosse esse conjunto de políticas”. Como regra, o que se lê e ouve desse pessoal são declaraçõe­s estabelece­ndo que o cresciment­o não poderia, de forma alguma, ocorrer. A realidade, como se vê, discorda...

Disso é possível tirar algumas conclusões, além, é claro, de que os caras de pau não perderam a mão para errar previsões.

Em primeiro lugar, que o diagnóstic­o da crise como resultado da suposta austeridad­e fiscal não se sustenta com base em nenhuma evidência empírica que se queira. Se restava alguma dúvida, os números do primeiro trimestre estão aí para dirimi-la.

Por outro lado, a explicação da crise como resultado do desarranjo fiscal ganha força. Medidas como o teto para a despesa federal e avanços na reforma previdenci­ária deveriam, nesse caso, favorecer a recuperaçã­o por meio da queda do risco-país e do juro real, como observado.

Não creio, é óbvio, que nenhum cara de pau corra o menor risco de aprender com seus fracassos; mas que é divertido expô-los, isso eu não posso negar.

Os efeitos da queda dos juros só deverão se materializ­ar com mais força na segunda metade do ano

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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