Folha de S.Paulo

Em sua quinta temporada, ‘House of Cards’ evoca paralelos com noticiário e torna Frank Underwood verossímil

- LUCIANA COELHO

FOLHA

É um exercício educativo acompanhar um episódio da quinta temporada de “House of Cards” em uma tela e, em outra, um canal com o noticiário político do Brasil, dos EUA ou alhures. Não fossem as caras conhecidas dos atores em cada caso, seria difícil discernir um de outro.

Os 13 novos episódios do drama político chegam à Netflix em 30 de maio, uma terça-feira (dia em que os EUA costumam promover suas eleições presidenci­ais, mote de toda a nova temporada). A Folha foi uma das publicaçõe­s que já viram a temporada, com o compromiss­o de não revelar “spoilers”.

Criticada por cruzar o limite da verossimil­hança em anos anteriores, “House of Cards” nunca foi tão realista quanto na nova temporada — exceto, claro, pela dobradinha entre presidente e primeira-dama na mesma chapa eleitoral e pelo amante dela vivendo na Casa Branca.

De hackers ligados à Rússia a um veto à entrada de cidadãos de determinad­os países nos EUA, há uma série de paralelos com o governo de Donald Trump. O roteiro, porém, precede a eleição do republican­o, segundo dizem os atores em entrevista­s —o que prova que a política atual está bem além da imaginação.

Mas não é só a era Trump que a nova temporada ecoa.

Em dado momento, Tom (Paul Sparks), o redator de discursos que é também amante de Claire Underwood (Robin Wright) diz que o marido da primeira-dama, Frank (Kevin Spacey no auge do personagem), está velho.

O confronto de Frank Underwood com Will Conway (Joel Kinnaman) na disputa pela Presidênci­a espelha o embate entre “velha política” e “nova política” que absorveu meio mundo.

Se Frank é um populista versado nos truques mais baixos, para Conway, asséptico até ao fazer sexo com a mulher, falta substância e a temperança que a experiênci­a traz ou deveria trazer.

Finalmente, há o papelchave que o Congresso desempenha nesta temporada, assim como desempenho­u na primeira, e sua rede comezinha de troca de favores que tão bem conhecemos. POLITICAGE­M É nesses momentos mundanos que “House of Cards” vai melhor. E, ao amarrar pontas que ficaram soltas em desdobrame­ntos de roteiro mais radicais, a série evolui

Relembre a trajetória

para sua temporada mais instigante desde a de estreia.

Spacey e Wright também estão no melhor momento.

Mais comedidos, os monólogos shakespear­ianos de Frank, que dão alma à série, são um estudo preciso da política no nosso tempo, mais do que a voz de um narrador onisciente —o do quarto episódio é um espetáculo.

Se em outras temporadas o casal presidenci­al mostrava uma alternânci­a clara no controle, desta vez as linhas entre eles se borram, como em uma cena na qual o presidente fictício brinca em seu computador com imagens do rosto de um se metamorfos­eando na do outro.

No decorrer dos capítulos, é impossível saber qual dos dois prevalecer­á caso sua aliança aparenteme­nte inquebrant­ável se desfaça.

Afinal, como o Francisco e a Clara originais, aqueles da hagiografi­a católica, a dupla pode até às vezes ser entendida como um casal, mas a matriz de sua afinidade é a devoção a algo imaterial e supremo —neste caso, o poder.

A nova temporada também traz reforços no elenco de apoio, que começou opaco e tem ganhado vigor.

Patricia Clarkson (“A Sete Palmos”) entra na série como uma subsecretá­ria de Comércio Exterior muito bem conectada, e Campbell Scott (“Damages”), como um discreto estrategis­ta político.

Finalmente, uma reverência a Doug Stamper (Michael Kelly), o mais sofrido (e melhor) personagem da série.

Na selva de egos desumaniza­dos que ela retrata, o sujeito que está na política não por altruísmo ou egoísmo, e sim por devoção e lealdade, é o único com quem o espectador pode ter empatia.

Havia temor de que a saída do criador Beau Willimon —ele desenvolve­u e vai produzir o drama de ficção científica “The First” para a plataforma de vídeo concorrent­e Hulu— afetasse a qualidade de “House of Cards”, o que não ocorreu.

Willimon, nas últimas semanas, tem se dedicado a criticar Trump no mundo real (e nas redes sociais) e a propor resistênci­a contra aquilo que chama de tirania.

A equipe de roteirista­s veteranos que assumiu em seu lugar, contudo, conseguiu dar fôlego ao enredo, algo nada fácil após quatro anos. Muito menos em política. QUANDO 30 de maio, 4h01 ONDE Netflix AVALIAÇÃO ótimo

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