Brasileiro leva filme sobre amigo morto ao escalar monte na África
DO ENVIADO A CANNES
No ano seguinte à alvoroçada passagem de “Aquarius” por Cannes, o Brasil retorna ao festival francês, desta vez na Semana da Crítica —mostra paralela à competição principal. O representante do país é “Gabriel e a Montanha”, do carioca Fellipe Gamarano Barbosa.
Após o drama social “Casa Grande” (2014), que brotava de sua experiência familiar na Barra da Tijuca, o diretor volta a remexer em seu próprio baú de memórias. O Gabriel do título é Gabriel Buchmann, amigo seu, economista que morreu em 2009 ao tentar escalar um monte no Maláui.
FELLIPE GAMARANO BARBOSA
diretor de ‘Gabriel e a Montanha’
A trajetória tem alguma semelhança com a do americano Christopher McCandless, que partiu para o Alasca e inspirou “Na Natureza Selvagem”, de Sean Penn.
“Mas o Chris era um rebelde. A viagem dele foi claramente uma fuga”, diz Barbosa. “O Gabriel não, ele manteve os laços durante a viagem que fez à África, era um cara cheio de raízes.”
Nos últimos anos, o diretor vasculhou os personagens que estiveram com Gabriel nos 70 dias finais de sua viagem. A pesquisa serviu para ele criar o roteiro da ficção, que tem João Pedro Zappa (de “Boa Sorte”) no papel principal.
“O Gabriel que eu descobri era diferente daquele de que eu me lembrava, observador: achei um cara que queria engolir o mundo”, diz Barbosa. “Ele queria comer o que aqueles que encontrava comiam, dormir onde dormiam. Esse filme é uma cartografia humana da África do leste.”
Nesta edição, quem preside o corpo de jurados da Semana da Crítica é Kleber Mendonça Filho, de “Aquarius”. O diretor carioca descarta estar em vantagem por serem conterrâneos. “Ele tem maturidade e experiência, vai ser justo.” (GG)
Em “Okja”, filme do sul-coreano Bong Jon Hoo que compete neste ano no Festival de Cannes, uma menininha precisa lutar contra capitalistas gananciosos e resgatar seu monstro de estimação.
Não deixa de ser irônico: a tônica desta edição do festival francês, cuja 70ª edição começa nesta quarta (17), é o embate entre um modelo tradicional de exibição cinematográfica e a voracidade dos serviços de vídeo sob demanda, em especial a Netflix. Em xeque? O futuro do cinema.
Em outras palavras, Cannes será a arena da disputa pela posse do monstro.
“Okja” está no centro dessa queda de braço, ao lado de “The Meyerowitz Stories”, de Noah Baumbach. Os dois filmes são as produções da Netflix competem no festival francês e que estão enfurecendo o mercado exibidor: após a mostra, a empresa de streaming irá lançá-los direto em sua plataforma, ignorando as salas de cinema.
A decisão da Netflix forçou Cannes a tomar partido.
Em comunicado, a organização do festival afirma que tentou persuadir a empresa californiana a exibir os dois filmes nas salas francesas.
Sem sucesso, a mostra baixou uma nova regra: a partir de 2018, só disputam a Palma de Ouro produções que se comprometerem com uma exibição posterior nos moldes tradicionais —isto é, nas salas de cinema.
Cofundador e presidente da Netflix, Reed Hastings encarou o anúncio como uma declaração de guerra.
“O ‘establishment’ está cerrando fileiras contra nós”, disse em seu perfil em uma rede social —mais uma demonstração beligerante de quem já afirmou que, nas últimas décadas, as redes de ci- AMBIÇÕES No Brasil, produtores, distribuidores e exibidores também se eriçam com as ambições da Netflix.
Enquanto não fica pronto o marco regulatório dos serviços de streaming, que deve dispor sobre eventuais cotas para produções nacionais e contribuições tributárias, o tema marca presença.
Em abril, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) organizou um seminário sobre o tema no Rio, com a presença dos gestores dos órgãos estatais do audiovisual de Alemanha e França. Em comum, defenderam a regulamentação do vídeo sob demanda (VoD).
Representante da França, Christophe Tardieu afirmou: “O VoD é incrível, mas deve sempre suceder o cinema”. Seu colega da Alemanha, Peter Dinges, foi mais direto: “Não há futuro para o cinema tradicional, aquele que oferece todo tipo de filme e simplesmente espera pelo cliente”.
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O Chris [de ‘Na Natureza Selvagem’] era um rebelde. A viagem dele foi claramente uma fuga. O Gabriel não, ele manteve os laços durante a viagem que fez à África, era um cara cheio de raízes