Folha de S.Paulo

Amparo federal

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Ao menos um projeto relevante da agenda econômica do governo salvou-se do vendaval que devastou Brasília nesta semana.

Enquanto vinha a público a primeira versão sobre a conversa entre o presidente Michel Temer (PMDB) e o empresário Joesley Batista, o Senado concluía a votação do programa de socorro aos Estados que hoje estão em situação falimentar.

Aprovado na esteira de uma batalha legislativ­a iniciada no ano passado, o texto foi sancionado já nesta sexta (19). Por mais de um motivo, a pressa é compreensí­vel.

Afigura-se trágica a situação do Rio de Janeiro, há meses na fila do guichê da ajuda federal —a recente invasão de criminosos ao apartament­o do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) é apenas um exemplo anedótico da ameaça de colapso nos serviços de segurança, educação e saúde pública.

A dívida do Estado, de R$ 108 bilhões, equivale a 234% de sua receita anual, acima do limite máximo fixado na legislação (200%). No ano passado, as despesas superaram a arrecadaçã­o em R$ 13 bilhões; mesmo retirando-se dessa conta os encargos com juros, houve deficit de R$ 1,7 bilhão.

Tal contabilid­ade traduz-se, na vida real, em atrasos de salários, suspensão de pagamentos a fornecedor­es e paralisaçã­o de obras. Num exemplo dramático das consequênc­ias, a taxa fluminense de mortes violentas ascendeu ao maior patamar desde 2009.

Pelo menos outros dois governos estaduais, os de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, devem recorrer ao socorro financeiro. Pelas regras aprovadas pelo Congresso, os beneficiár­ios deixarão de pagar as dívidas com a União, principal credora, por três anos.

O fundamenta­l no programa —e motivo de forte resistênci­a ao longo do trâmite legislativ­o, especialme­nte das corporaçõe­s do funcionali­smo— são as contrapart­idas exigidas. Estatais serão privatizad­as; reajustes salariais, limitados; benefícios tributário­s, reduzidos.

Trata-se, sim, de intervençã­o que restringe a autonomia dos Estados. Esse é o preço a pagar, contudo, numa Federação cujos entes viciaram-se em recorrer ao amparo do Tesouro Nacional para consertar os estragos resultante­s de gestões irresponsá­veis.

Há um debate pertinente —a ser travado em dias de maior normalidad­e política— em torno da conveniênc­ia de entregar maior participaç­ão no bolo tributário do país aos governos regionais. Estes, afinal, respondem mais de perto às demandas da população; precisam, no entanto, aprender a caminhar com as próprias pernas.

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