Folha de S.Paulo

Segundo o professor, gravações clandestin­as (quando captada por uma pessoa sem que a outra saiba) devem ser

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A gravação feita pelo empresário Joesley Batista causou grande controvérs­ia no mundo jurídico em torno da legalidade e da consistênc­ia da prova obtida contra o presidente Michel Temer.

Cezar Roberto Bitencourt, autor do “Tratado de Direito Penal”, diz que o presidente foi alvo de uma “pegadinha”, de uma “emboscada”. “Não tenho simpatia pelo presidente Temer, mas não houve endosso à compra do silêncio de Eduardo Cunha. Dizer que houve é um erro feio.”

Segundo o advogado, cujo escritório tem atuação no âmbito da Lava Jato, o que ocorreu foi um flagrante provocado, um ato ilegal. “Um agente provocador criou uma situação. Não existe por parte do presidente vontade de praticar um ato”, declara.

Bitencourt, no entanto, considera que, ao ouvir relato de crimes, cabia ao presidente informar o ministro da Justiça para que ele tomasse providênci­as. “A pessoa comum não tem obrigação de denunciar crimes. A autoridade tem o dever”, afirma.

Luciano Anderson de Souza, professor de Direito Penal da USP, diz que tecnicamen­te é uma “prova ilícita”, embora, não invalide o restante da investigaç­ão. “Na verdade, a gravação criou um problema mais político do que jurídico. Todos sabemos aonde vai parar”, afirma. TERCEIROS aceitas em defesa própria: para se proteger de uma investida criminosa ou para a preservaçã­o de direitos.

O próprio Ministério Público Federal já compartilh­ou dessa tese. Em um recurso ao STF (2008), alegou que “a gravação clandestin­a que visa não apenas fazer prova em favor do investigad­o, mas também incriminar terceiros viola a garantia processual de proteção à intimidade”.

Cezar Peluso (STF) negou o recurso. “Quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicaçã­o”, disse.

Luiz Flavio Gomes, ex-juiz e criador do “Movimento Quero Um Brasil Ético” diz que Temer não foi induzido a absolutame­nte nada. “Falou porque quis falar”, afirma.

Segundo Gomes, Joesley não induziu Temer a cometer crime. “Foi uma ação legítima, prevista em lei. O empresário narrava o que estava acontecend­o. E o presidente disse: mantém isso.” Para ele, houve uma referência inequívoca a dinheiro para silenciar Cunha. DECISÃO MONOCRÁTIC­A O advogado Ricardo Sayeg entende que o áudio é legal. “Não é ilícito gravar a própria conversa.” O problema, para ele, é outro. “Não há nada que mostre que Temer tentou obstruir a Justiça. Não se configurou crime”, afirma.

Sayeg diz que Temer falou sempre de forma lacônica, genérica e indetermin­ada. “Não vi nada de irregular. Para o criminalis­ta, incompreen­sível foi a decisão monocrátic­a do ministro Edson Fachin (STF), que homologou a delação do empresário.

“Era uma decisão que, pela importânci­a, cabia ao plenário do Supremo. Até porque não há como explicar que, depois de tudo o que fez, Joesley vá poder morar na

CEZAR ROBERTO BITENCOURT

advogado quinta avenida como um xeique árabe”, diz. “Como brasileiro, estou revoltado.”

O advogado Fernando Fernandes, que atua na Lava Jato, considera que, mesmo sendo relator, Fachin não poderia deferir uma ação controlada para gravar o presidente.

“O plenário deverá em momento oportuno analisar essa decisão. Tanto a gravação ambiental quanto a existência de um agente provocador da conversa, feita por autoridade, ferem o direito constituci­onal do silêncio.”

Segundo Fernandes, o delator provocou uma conversa com Temer, a fim de obter prova, “o que me parece uma questão institucio­nal gravíssima”. “Isso jamais poderia ter sido deferido por um ministro unitário, sem antes ter submetido a seus pares. Ele não tem poderes para isso.”

Não tenho simpatia pelo presidente Michel Temer, mas não houve endosso [no diálogo com o empresário da JBS] à compra do silêncio de Eduardo Cunha. Dizer que houve é um erro feio

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