Folha de S.Paulo

Sem renúncia, resta o impeachmen­t

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

OS ACONTECIME­NTOS desta semana, que sepultaram o governo Temer, evidenciam o estado terminal da política brasileira —e devolvem a economia à UTI, para onde a gestão desastrosa do PT a havia conduzido. Economia e política são, na verdade, indissociá­veis.

Não é possível que uma esteja sã quando a outra está doente. A esperança de que o governo Temer representa­sse efetiva mudança no país, depois de 13 anos de escândalos e gestão temerosa, fez com que a economia, ainda sem melhorar, parasse ao menos de piorar.

Mas o governo Temer frustrou essa expectativ­a. Perdeu a oportunida­de histórica de atender o clamor da sociedade, que, em megamanife­stações de rua, sem precedente­s na história do país, pedia justiça, transparên­cia e elevação do padrão moral da política.

Temer, inversamen­te, optou por formar um ministério em que figuravam alguns personagen­s associados às piores práticas. Em vez de um governo de notáveis, optou por um governo de notórios.

Não podia dar certo. A cada ministro que saía, envolto em escândalos, a reputação e a confiabili­dade do governo derretiam. Se a economia, entregue à gestão de técnicos competente­s, continha a sangria herdada do desgoverno anterior, a credibilid­ade política, que deveria avalizá-la, definhava. A melhora dos indicadore­s, anunciada com euforia, não tinha sustentabi­lidade política.

Dependia de reformas, sobretudo a da Previdênci­a, que o governo, mesmo antes das denúncias desta semana, não estava em condições morais de impor à sociedade. Agora, muito menos.

Um governo desacredit­ado não pode pedir sacrifício­s à sociedade, sobretudo a uma já suficiente­mente penalizada, com 14 milhões de desemprega­dos, perplexa diante do circo de horrores que a Lava Jato exibe há mais de três anos.

O país só terá condições de retomar a agenda reformista —e com ela a restauraçã­o efetiva da economia— em outro ambiente político. O governo Temer acabou. O presidente, político experiente e pragmático, sabe disso, mas insiste em desafiar a crise, em defesa de sua imunidade institucio­nal. O cargo lhe garante foro privilegia­do. Com isso, presta um desserviço ao país —e a si mesmo.

Renúncia, em prol de algo maior —no caso, o interesse público—, é também ato de grandeza. Temer está diante de um momento decisivo de sua biografia, em que definirá em que termos a história irá tratá-lo. Se insistir em ficar, será supliciado.

Não estão em pauta suas chances de absolvição no campo jurídico. Politicame­nte, ele já foi condenado pelo conjunto da obra. Convém lembrar que Fernando Collor, condenado politicame­nte, foi absolvido pelo STF. O tribunal político tem régua própria —e é implacável quando se quebra o cristal da confiança.

É possível ainda que o presidente caia em si e perceba que o melhor serviço que pode prestar à recuperaçã­o da economia é permitindo a salvação da política.

Não percebeu que reformas de tamanha profundida­de —e aí destaco a da Previdênci­a, por sua profunda repercussã­o na vida de cada trabalhado­r— não se restringem à contagem de votos no Parlamento. É preciso que tenham a chancela do cidadão, que só a dará mediante o fator confiança, que inexiste.

Sem renúncia, resta o doloroso caminho do impeachmen­t ou o (mais provável) da cassação da chapa Dilma-Temer. Só eleições diretas podem renovar e oxigenar o ambiente poluído da política. Crise política se resolve com política. E a necessária mudança constituci­onal pode ser obtida por um pacto supraparti­dário que contemple, enfim, a voz das ruas.

O governo Temer acabou; renúncia, em prol de algo maior, o interesse público, é também ato de grandeza

RONALDO CAIADO,

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