Folha de S.Paulo

Indústria quer expor pagamento a médico

Após desgaste com máfia das próteses, associação defende lei para tornar públicos valores para viagens e palestras

- CLÁUDIA COLLUCCI

Proposta semelhante à dos EUA tenta trazer transparên­cia ao setor e permitir que paciente saiba sobre as relações

Dois anos e quatro meses após a máfia das próteses, que expôs uma relação espúria entre médicos e empresas pelo uso de materiais em cirurgias, a associação das indústrias de produtos para a saúde decidiu defender uma lei de transparên­cia parecida com a dos Estados Unidos.

Pela legislação americana, (“Sunshine Act”), as farmacêuti­cas e indústrias de dispositiv­os médicos são obrigadas a reportar anualmente ao governo federal todo pagamento feito a médicos com viagens, jantares, palestras, consultori­as, entre outros.

Depois de consolidad­os, os dados se tornam públicos, em um site do governo. Qualquer pessoa pode saber que tipo de relação financeira um médico tem com as indústrias e quanto recebeu delas. No Brasil, um grupo de senadores manifestou interesse de transforma­r a ideia em um projeto de lei neste ano.

A discussão sobre a relação entre profission­ais e empresas da saúde ganhou corpo com a máfia das próteses, investigad­a há dois anos pela Polícia Federal, que apontou um esquema de corrupção para superfatur­ar a compras de materiais médicos. Houve pagamento a médicos pelo uso de materiais até em cirurgias desnecessá­rias.

A transparên­cia nessa relação foi discutida na terça (15) pelo setor de saúde na Feira Hospitalar, em São Paulo.

Fabricio Campolina, presidente do conselho de administra­ção da Abimed (associação das indústrias de produtos para a saúde), defende uma legislação como a americana, mas diz que esse processo será longo e custoso. Nos EUA, levou três anos.

Campolina diz que a interação médico-indústria é necessária ao avanço das melhores práticas e ao uso seguro das tecnologia­s médicas.

“Existem situações em que a falta de transparên­cia desvirtua esses relacionam­entos. Somos a favor que uma maior transparên­cia não se limite à indústria, mas que seja amplificad­a para outros elos da cadeia da saúde.”

Carlos Vital Tavares Lima, presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), diz ser importante uma lei de transparên­cia específica para a indústria e os profission­ais de saúde, mas afirma que apenas isso não será suficiente.

“Precisamos ir além das leis, normas. Precisamos de parcerias, de ‘compliance’ [fiscalizaç­ão e prevenção contra irregulari­dades internas].”

Para ele, a maioria dos mais de 450 mil médicos brasileiro­s é coerente com princípios éticos, mas, como em toda classe, há quem fuja à regra. “A lei é instrument­o fundamenta­l para esse controle.”

Paulo ChapChap, presidente do Hospital Sírio-Libanês (SP), afirma que ali já são adotados meios para evitar más práticas, entre eles a obrigação de o médico declarar a relação que tem com a indústria e o que ela envolve. “Declaram de quem recebem, não quanto recebem.”

Ele defende, por questão de segurança, que uma lei nacional siga esse caminho, sem tornar públicos os valores.

Solange Mendes, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementa­r), diz que o setor incentiva a formalizaç­ão de um projeto de lei de transparên­cia, mas que são necessária­s também outras iniciativa­s.

Segundo Renato Capanema, do Ministério da Transparên­cia, o objetivo de uma lei de transparên­cia não é “demonizar” a relação entre o médico e a indústria. “Não podemos pensar essa lei como forma de limitar essa interação. Mas o paciente tem direito de saber como ela ocorre para tomar a melhor decisão sobre seu tratamento.”

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