Folha de S.Paulo

Patologia política

- LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

Por que alguém inteligent­e pode ser voluntaria­mente ingênuo ou desviar o olhar do que não gostaria de ver?

PSICANÁLIS­E SELVAGEM é a interpreta­ção amadora ou inexperien­te dos sintomas, sonhos, palavras e ações de seres humanos. Freud a vincula à ignorância e, por ser o meu caso, não me arriscaria a diagnóstic­os. Muito além das questões jurídicas, a curiosidad­e em torno do inconscien­te lança o desafio de perguntar.

A Lava Jato caminha desde 2014 e todos sabem que, dia a dia, o cerco se fecha. A perda da realidade, sintoma associado à psicose, explicaria conversas absolutame­nte compromete­doras que homens públicos calejados mantiveram com empresário investigad­o em várias frentes da Justiça Criminal?

Conversava­m com um amigo? Temer e Aécio eram amigos de Joesley Batista, que por sua vez era amigo de Eduardo Cunha (e por isso ajudava sua família), assim como Lula era amigo de outros? Por que políticos mudam de amigos quando sobem a escada do poder? Os novos amigos, além do conforto material, são capazes de oferecer o conforto moral das antigas amizades? Amigos delatam?

A perda da realidade se vê em situações singelas também, como no nepotismo, cada vez mais inusitado. Sabem que não podem nomear parentes, mas parentes são nomeados, o que gera ações de improbidad­e, descrédito e prejuízos eleitorais.

Além das mentiras compulsiva­s, não só nas campanhas, homens públicos deixam-se levar pelo devaneio (sonho diurno) e materializ­am seus desejos misturando o que não lhes pertence com o que gostariam de ter ou confundind­o gestos de amizade com presentes caros e favores inconfessá­veis, que geralmente resultam em pequenas ou grandes vantagens?

O que dizer da vaidade desmesurad­a, do sentimento de intangibil­idade, do cinismo?

Por que as pessoas só enxergam a vilania dos homens públicos das outras correntes políticas? Por que a paixão se instala na política? Por que alguém inteligent­e pode ser voluntaria­mente ingênuo ou desviar o olhar do que, por ideologia ou medo da frustração, não gostaria de ver?

Temer, no seu primeiro pronunciam­ento, foi assertivo: “Não renunciare­i” —e repetiu a frase bombástica para aplauso tímido de reduzida plateia. Não poderia o presidente da República dizer tudo o que disse, sem utilizar a palavra maldita (para qualquer governante), afirmando, por exemplo, que o seu trabalho seguiria firme e resoluto na direção da recuperaçã­o econômica? É só involuntár­ia oferta de mais um refrão para seus adversário­s ou é ato falho, lapso de palavra, indicativo de que a renúncia está no horizonte?

O estado é de tensão e nebulosida­de. A economia volta a desmoronar. O Brasil parece uma empilhadei­ra de crises.

Lula quer diretas já para ter o veredito do povo e fugir de sentenças judiciais. Apesar de a renúncia e o impeachmen­t serem capazes de levar Temer para as barras dos tribunais, a permanênci­a no Palácio do Planalto também lhe concede uma sobrevida. Quando sai apressado, é visível o estratagem­a do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), o primeiro na linha sucessória, de fingir que fala ao telefone para fugir da imprensa. Será que ele tem estampa presidenci­al, ainda que transitóri­a? E o presidente do Senado?

Enquanto o futuro se desenha, psiquiatra­s e psicanalis­tas podem ajudar a explicar os contornos desse drama. lfcarvalho­filho@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil