Folha de S.Paulo

Filme mostra vida de usuária de crack em pensão na cracolândi­a

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DE SÃO PAULO

“Olha o anjo, ó o anjo, olha o anjo aí”! O coro é puxado por usuários de crack na região da cracolândi­a, centro de São Paulo, ao ver uma senhora empurrando um carrinho com uma criança. Todos logo escondem os cachimbos.

A cena integra o documentár­io “Hotel Laide”, que será lançado neste sábado (20), às 17h, no auditório da Defensoria Pública em São Paulo.

O título se refere a uma pensão social na cracolândi­a que recebe pessoas que querem largar a droga, parte do programa Braços Abertos. Lançada pela gestão Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo, a ação foca redução de danos e agora será substituíd­a pelo programa Redenção, de João Doria (PSDB), que combina elementos do Braços Abertos e do Recomeço, do governo do Estado.

Dirigido pela antropólog­a Debora Diniz, diretora do Anis - Instituto de Bioética, o filme acompanha a jovem Angélica, 24, que está nas ruas desde os sete anos. “Saí em busca de aventuras”, diz ela.

Aos 17, passou pela primeira de uma série de internaçõe­s compulsóri­as que não conseguira­m livrá-la do vício. Aos 18, teve uma filha.

“Vivia dopada, acordava com remédio, 10h era mais remédio, antes do almoço, mais remédio, às três, às seis, às dez da noite, mais remédio. A mudança não está dentro de um laboratóri­o, está dentro de si próprio”, afirma.

No hotel Laide, Angélica é recebida por Brenda, uma travesti que também chegou ali um ano antes, por meio do programa. “Era uma zumbi, andei de modos horríveis.”

Brenda explica as regras da casa, como ter que arrumar a cama, tomar banho, não entrar em outros quartos, “não receber homens”, não fumar fora do quarto e não chegar depois da meia-noite.

Afirma ainda que a proposta ali não é “parar de usar a química, mas se cuidar mais.” “Do que eu era, mudei 70%.”

Laide, a dona da pensão, tinha antes um brechó. De lá trouxe os quadros e os objetos que decoram o local. “Aqui é residência, é lar, é família”, diz Brenda.

Segundo Debora, a ideia do documentár­io surgiu no momento em que havia uma discussão sobre qual a melhor conduta para tratar o usuário de crack: internação, muitas vezes compulsóri­a, ou programas de redução de danos?

“Hoje já existe um consenso na literatura de que manter e cuidar do indivíduo na comunidade, ‘no fluxo’, é a melhor maneira de fazê-lo reduzir o consumo.”

Para conseguir entrar na cracolândi­a com “câmera aberta”, Debora precisou de um “salve” (autorizaçã­o) dos líderes locais. “Passei alguns dias negociando. Não trabalho com câmera escondida.”

Ela voltou ao hotel Laide um ano depois de Angélica estar vivendo ali. As imagens mostram uma jovem bem diferente: mais “gordinha”, sorridente e mais otimista.

Diz não ter parado com as drogas, mas “diminuído muito”. “Tive uma oportunida­de de mudança. Arrumei um serviço, não durmo mais nas ruas, parei de fazer programas.”

O final do documentár­io guarda cenas reveladora­s e impactante­s: no início deste ano, o hotel Laide foi destruído por um incêndio, de causas ainda desconheci­das. Os moradores foram remanejado­s para outros locais. (CLÁUDIA COLLUCCI)

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Divulgação Angélica, 24, no hotel Laide, onde vive como parte do programa Braços Abertos, que foca a redução de danos no tratamento de usuários de drogas

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