Folha de S.Paulo

A viver do impasse

Vitorioso na CCJ da Câmara, mas fraco como nunca, Temer conta com a ausência de um candidato natural a sucedê-lo para se segurar no cargo

-

A esta altura da história, não constituir­á novidade o momento por que está a passar Michel Temer (PMDB), com a votação na Câmara dos Deputados da denúncia que pode tirá-lo do cargo.

Apesar do ineditismo do instrument­o, uma acusação por crime comum, a forma política de resolver o impasse já foi experiment­ada e repetida no último quarto de século. A oposição ao presidente alvejado precisa obter dois de cada três votos dos deputados federais.

Abstraído o conteúdo fático das acusações, sem dúvida desmoraliz­ante no caso Temer, a batalha parlamenta­r assemelha-se a uma eleição indireta para a Presidênci­a. Derruba-se um mandatário se, e somente se, houver um consenso amplo em torno do sucessor.

Essa parece ser a maior dificuldad­e na disputa que se avizinha. Em outros dois episódios —o impeachmen­t de Fernando Collor em 1992 e o de Dilma Rousseff em 2016—, o vice era o desaguadou­ro natural dos descontent­es.

Falhou, já nas primeiras semanas após o escândalo da JBS, a primeira tentativa de tucanos de apresentar uma alternativ­a ao presidente ferido. O segundo movimento, em torno do presidente da Câmara, tem decerto mais consistên- cia, embora ainda esteja distante da virtual unanimidad­e necessária para a façanha.

Rodrigo Maia (DEM-RJ) insinuase como candidato ao trono —é legítimo apresentar-se como opção para desfazer o enrosco político—, mas por ora ainda não desperta a aceitação geral de seus pares.

Já Michel Temer, se conspurcou aos olhos da grande maioria da população a dignidade e a honra para o exercício do cargo mais alto da República, não perdeu a combativid­ade política nem a expertise de manejar a máquina do Executivo federal em troca de apoio.

Assim se deu na vitória obtida na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) da Câmara, que por 40 votos a 25 rejeitou parecer que recomendav­a aceitar a acusação de corrupção apresentad­a pela Procurador­ia-Geral da República.

Obteve-se o placar de forma vexatória, com a troca de deputados na CCJ e, segundo se noticia, a exacerbaçã­o do jogo fisiológic­o com cargos e verbas orçamentár­ias.

Nada disso garante, entretanto, o resultado no plenário da Casa legislativ­a, no qual nenhum dos lados parece dispor atualmente da maioria necessária para o desfecho desejado —o que pode levar a votação para agosto.

Temer está mais fraco do que nunca, embora não liquidado. Conta com a ausência de um nome de consenso para sucedê-lo e com a passagem do tempo, no esforço para sobreviver no cargo até o final do próximo ano.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil