Folha de S.Paulo

Escola e sofrimento

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Há vários relatos na literatura sobre sofrimento em escolas. Não me refiro aqui às dores associadas ao processo de aprender, e sim às que resultam da interação social.

Scholastiq­ue Mukasonga descreve em seu livro autobiográ­fico, “As baratas”, várias cenas em que tutsis eram discrimina­dos no ambiente escolar, em Ruanda, tanto pela administra­ção do sistema como por colegas, numa violência cotidiana quase normalizad­a. Ariel Dorfman, num livro também autobiográ­fico, “Uma vida em trânsito”, conta sobre um professor que o humilhou em sala, pois ele, imigrante recente no Chile, ainda não falava bem espanhol.

As situações de sofrimento podem gerar duas respostas: a que ambos escritores adotaram, a de se empenharem mais ainda nos estudos, ou a de desistênci­a de um caminho por demais pedregoso. Esse segundo, infelizmen­te, é o mais frequente e pode envolver desde insucesso escolar, passando por abandono da escola, no que a pesquisado­ra americana Linda Darling-Hammond chamou de o conduto escolapris­ão, até o suicídio.

Muito se tem escrito sobre bullying e as consequênc­ias nefastas dessa prática, que envolve ridiculari­zar e agredir sistematic­amente um colega percebido como diferente, seja por ele ter aparência ou costumes distintos dos valorizado­s pelo grupo social, seja por apresentar uma fragilidad­e percebida pelos outros. As escolas procuram adotar programas de combate a essa prática, nem sempre com sucesso.

A questão é que escola não é apenas lugar de ensinar matérias, é um espaço que deveria formar a criança inteira, desenvolve­ndo tanto competênci­as cognitivas quanto socioemoci­onais. Ensinar autoconhec­imento e controle, importante­s para o desenvolvi­mento de autonomia, mas também educar para a empatia, o respeito ao outro, percebido como portador de sentimento­s e projetos, mesmo que diferentes dos seus.

Para que a escola possa fazer isso bem, o importante não é ter aulas de competênci­as socioemoci­onais, e sim desenvolve­r essas competênci­as nos próprios professore­s, para que possam incorporál­as em suas aulas, como prática cotidiana.

Um exemplo disso pude ver numa escola que alfabetizo­u todos os alunos no primeiro ano, numa das áreas conflagrad­as do Rio. Ao perguntar à professora como fazia, ela respondeu-me: coloco-os em círculo a cada início de aula e cada um fala como se sente, que frustraçõe­s teve no dia anterior, depois nos damos as mãos, calamos durante dois minutos para que os problemas possam ir embora e então estamos todos prontos para aprender”. Ela não falou, nem precisava, mas com essa iniciativa criou também um clima de paz entre os alunos.

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