Folha de S.Paulo

ANÁLISE Para ao menos tentar salvar o que resta do PT, ‘Jararaca’ substitui ‘paz e amor’

- IGOR GIELOW

Em sua primeira declaração após ser condenado pela Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 71, disse, nesta quinta-feira (13), que a decisão judicial despertou sua disposição para se lançar candidato às eleições presidenci­ais de 2018.

“Se alguém pensa que com essa sentença me tiraram do jogo, pode saber que eu tô no jogo”, afirmou Lula. “E quero dizer ao meu partido que até agora não tinha reivindica­do, mas vou reivindica­r, de me colocar como postulante à Presidênci­a da República em 2018.”

Do lado de fora do Diretório Nacional do PT, em São Paulo, a fala foi recebida com aplausos por cerca de 300 militantes, que promoveram um “abraço simbólico” a Lula.

“Quem acha que é o fim do Lula vai quebrar a cara. Quem tem o direito de decretar o meu fim é o povo brasileiro”, prosseguiu o petista.

Na rua, a mobilizaçã­o, com carro de som e apoiadores erguendo bandeiras e vestindo camisetas do partido, ganhou ares de comício. “Nós vamos lançar Lula imediatame­nte candidato à Presidênci­a”, discursou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), em frente ao prédio do diretório, ao lado de Gleisi Hoffmann.

Gleisi Hoffmann, presidente da legenda, disse que quem quiser impedir a candidatur­a do ex-presidente “vai responder pela instabilid­ade política no país”. “Não vamos admitir uma eleição sem Lula”. Luiz Marinho, presidente estadual, anunciou que está programada uma manifestaç­ão pró-Lula na avenida Paulista em 20 de julho.

Na quarta (12), o juiz Sergio Moro, responsáve­l pelo processo em primeira instância, sentenciou o presidente por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Moro diz que ele recebeu vantagens indevidas da construtor­a OAS na forma de um tríplex reformado em Guarujá (SP).

Lula criticou a decisão do juiz e afirmou que irá recorrer “em todas as instâncias”.

“Acho que é preciso processar essa sentença no CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. É preciso fazer processo contra quem mente”.

“Ficaria mais feliz se eu fosse condenado com base numa prova. Que eles me desmascara­ssem. “Tá aqui ó, você realmente cometeu um erro.” O que me deixa indignado, mas sem perder a ternura, é você perceber que você está sendo vítima de um grupo de pessoas que contaram a primeira mentira e vão passar a vida inteira mentindo pra poder justificar a primeira mentira que contaram, de que o Lula era dono de um tríplex”, completou.

À mesa, Lula estava acompanhad­o de Gleisi e de deputados da sigla, além de lideranças de movimentos sociais, como Guilherme Boulos, do MTST, e Vagner Freitas, presidente da CUT. Em diversos momentos, o ex-presidente criticou os métodos da Lava Jato e da cobertura da imprensa do caso —citou a revista “Veja” e a “TV Globo”.

“Obviamente que o Moro, ele não tem que prestar contas pra mim, eu acho que ele tem que prestar contas para a história, como eu devo prestar conta pra história. A história na verdade é quem vai dizer quem está certo e quem está errado”, disse.

“Eu continuo afirmando pra vocês que não é possível a gente ter um Estado Democrátic­o de Direito, se a gente não acreditar na Justiça. E por essa crença que eu tenho no Estado de Direito e numa Justiça forte é que a Justiça não pode mentir. Ela não pode tomar decisões políticas. [...] Porque a única prova que existe nesse processo, de não sei quantas mil páginas, é a prova da minha inocência”.

O PT deve manter a candidatur­a de Lula à Presidênci­a em 2018, afirmou, na quarta (12), o ex-ministro Tarso Genro: “Ele é a única liderança, com apelo popular e capacidade política, para encaminhar uma saída não violenta para a crise”. CARAVANAS Lula deve iniciar em agosto uma reedição das Caravanas da Cidadania, realizadas antes da eleição presidenci­al de 1994. Vai percorrer, de ônibus, os nove Estados nordestino­s, onde mantém uma taxa de popularida­de maior do que no restante do país.

O plano é que a viagem do petista seja iniciada na segunda quinzena do mês em Salvador e siga até São Luís, no Maranhão, num período total de cerca de 15 dias.

A visita ao Nordeste estava sendo planejada desde antes da decisão do juiz Moro. Mas aliados do ex-presidente confirmam que ela servirá como uma espécie de ofensiva política frente à condenação judicial de primeira instância.

JOÃO PEDRO PITOMBO,

sua reação. O petista lançou sua campanha à Presidênci­a em 2018 apostando no figurino que foi derrotado nos pleitos de 1989, 1994 e 1998.

Esqueça uma campanha à la 2002, do “Lulinha paz e amor”, da “Carta ao Povo Brasileiro”. Está de volta a jararaca, como ele se autodenomi­nou, o líder sindical esgoelado contrapond­o a “senzala” que diz representa­r à “casa grande” de sempre.

É o “nós contra eles” repaginado, ignorando o paradoxo de que foi a associação promíscua com setores dessas elites políticas e empresaria­is que levaram à derrocada da imagem de Lula e sua condenação judicial.

A retórica anti-institucio­nal do “só o povo pode me julgar” está na praça. Pela fala desta quinta (13), o petista já tem os seguintes eixos para a campanha:

1 - Ele, o PT e Dilma Rousseff são vítimas de um golpe que foi articulado pelas “elites”, Judiciário e imprensa.

2 - O “povo precisa ser governado por quem o entende”, quem “conhece a fome e o desemprego”, tocando o nervo exposto na vida real.

3 - “Eles” estão acabando com “tudo o que foi construído desde 1943”, citando a data de criação da CLT para atacar as comprovada­mente impopulare­s reformas trabalhist­a e previdenci­ária.

Não que Lula tenha muita opção. Aceitar passivamen­te o trâmite da Justiça seria o equivalent­e a jogar flores sobre o túmulo do PT, enterrado pelos próprios erros.

Resta agora ao ex-presidente tentar manter o corpo do partido em estado de suspensão animada, e os eixos acima lhe fornecem um roteiro meio simplório, mas eficaz para sua base de apoio.

É suficiente para levá-lo de volta ao Planalto, caso ele tenha condições judiciais para tanto? Depende, até porque ainda estamos em julho de 2017, mas a única forma pela qual um Lula candidato poderia hoje ganhar no segundo turno seria enfrentand­o um anti-Lula tão extremado que a mesma “elite” (e uma grande massa de classe média) que despreza agora o petista se veria sem opções.

Com o leque colocado hoje, o nome seria o de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), deputado que vocifera aquilo que as franjas mais radicais à direita que reencontra­ram as ruas desde 2013 querem ouvir.

Hoje Bolsonaro estaria no páreo para um segundo turno, tornando-se o adversário dos sonhos de Lula.

Mas parece difícil que mantenha o fôlego quando o jogo for para valer e as forças políticas estiverem em movimento.

Fora essa hipótese, a retórica agressiva de Lula, os punhos cerrados de réus na Lava Jato como a presidente petista Gleisi Hoffmann a seu lado no palanque, isso tudo só serve neste momento para garantir o 1/3 do eleitorado que irá com o petista.

A reconquist­a desse apoio é o grande feito do ex-presidente após o massacre eleitoral de 2016, quando o PT foi destroçado em nível municipal na esteira do processo de impeachmen­t de Dilma.

A recessão e o desemprego, independen­temente de serem herança do próprio PT, são naturalmen­te associados ao governo que está no poder. Isso e a rejeição às reformas ofertam um prato feito em termos de discurso para o PT apresentar em 2018.

E os acertos de seus anos no poder, como políticas de transferên­cia de renda, fornecem uma munição que não estava presente nas disputas em que ele foi derrotado.

Ainda assim, com 45% de rejeição e uma montanha de acusações para lidar, Lula terá dificuldad­es.

O condomínio Geraldo Alckmin-João Doria, a Rede de Marina Silva e talvez Joaquim Barbosa ou algum nome incógnito não terão vida fácil, mas seguem com vantagem prévia na disputa.

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