Folha de S.Paulo

Justiça ordena prisão de ex-presidente do Peru

Ollanta Humala e a mulher recebem 18 meses de detenção preventiva por lavagem de dinheiro em caso Odebrecht

- SYLVIA COLOMBO

Sentença ocorre após construtor­a delatar que destinou US$ 3 milhões para as campanhas eleitorais de Humala

A Justiça do Peru determinou nesta quinta-feira (13) a prisão preventiva, por 18 meses, do ex-presidente peruano Ollanta Humala (20112016), 55, e de sua mulher, a ex-primeira-dama Nadine Heredia, 41. Eles são acusados de lavagem de dinheiro por conta do recebiment­o de caixa dois vindo da construtor­a brasileira Odebrecht durante as campanhas eleitorais de 2006 (em que Humala perdeu para Alan García) e de 2011 —quando venceu Keiko Fujimori.

Trata-se do primeiro dirigente de um país latino-americano, ainda que já não mais exercendo o cargo, que irá para a prisão por causa de desdobrame­ntos das delações da Odebrecht no decorrer da Operação Lava Jato.

A sessão que decidiu pela prisão foi longa. Na noite de quarta-feira (12), a Promotoria entrou madrugada adentro para apresentar sua acusação. O julgamento foi, então, interrompi­do e retomado na tarde de quinta (13).

O juiz Richard Concepción Carhuancho levou cinco horas para demonstrar que, se- gundo sua avaliação, haviam sido apresentad­os fatos novos que apontavam para a possibilid­ade de Humala deixar o país —afinal, sua mãe, mulher e filhas haviam viajado recentemen­te— e de ele e Heredia tentarem atrapalhar as investigaç­ões em curso.

Pela manhã, Humala deu breves declaraçõe­s, afirmando ser inocente e dizendo “estar tranquilo” com relação à decisão da Justiça.

O casal não esteve presente à sessão e assistiu pela TV, em sua casa, cercada de manifestan­tes desde o início da tarde. Foram representa­dos, no tribunal, por seus advogados, Julio César Espinoza e Wilfredo Pedraza.

Pouco depois das 23h de Brasília (21h em Lima), Humala e Heredia deixaram sua casa de carro e foram até o tribunal para se entregarem. Em mensagem numa rede social, o ex-presidente afirmou que a decisão é a “confirmaçã­o do abuso de poder, ao que nós faremos frente em defesa do direito de todos”.

Até a conclusão desta edição, não estava claro para qual centro de detenção o casal seria levado.

Segundo o pedido da Procurador­ia, a prisão preventiva se justifica para evitar que Humala não faça o mesmo que outro ex-presidente, Alejandro Toledo (2001-2006), que se encontra foragido nos EUA e é acusado de receber subornos seu mandato.

A Odebrecht ainda tem obras em andamento no país, e sua continuida­de está sob avaliação da Justiça.

A Procurador­ia também reforçou o pedido de prisão do casal após apresentar evidências de que Heredia havia aberto recentemen­te duas contas no exterior, no nome das duas filhas menores do casal, Illariy e Nayra.

Apesar de o depósito inicial ser baixo, o promotor afirmou que eram indício de que poderiam ser usadas para depositar verba para manter a família no exterior, em caso de fuga.

Segundo informaçõe­s entregues pela Odebrecht ao Departamen­to de Justiça dos EUA, a construtor­a brasileira teria pagado, apenas no Peru, entre 2005 e 2014, mais US$ 20 milhões, entre caixa 2 e subornos.

O pedido de prisão preventiva de Humala foi feito a partir da delação de Marcelo Odebrecht, que afirmou ter destinado US$ 3 milhões para as campanhas eleitorais de Humala. O ex-presidente também é acusado de receber verba ilícita da Venezuela.

Os demais pagamentos da Odebrecht no país andino também abrangem, além dos mandatos de Toledo e Humala, o de outro ex-presidente, Alan García (2006-2011), ainda não chamado a dar explicaçõe­s pela Justiça peruana.

Para o jornalista peruano Gustavo Gorriti, especializ­ado em desvios de verbas e representa­nte em seu país das investigaç­ões sobre a Lava Jato e os Panamá Papers, a Procurador­ia peruana não tem agido da melhor forma.

“Eles escolheram primeiro um dos envolvidos mais frágeis politicame­nte, que é Alejandro Toledo, para levar quase toda a culpa. Agora acusam Humala com base em caixa dois, quando o maior escândalo é montante de dinheiro envolvido em desvio de verbas de obras públicas no Peru. Essa investigaç­ão está, no momento, em segundo plano. Isso que ocorreu hoje mais parece uma encenação”, disse à Folha.

Durante toda a tarde de quarta e o dia desta quinta, houve concentraç­ão de manifestan­tes do lado de fora do tribunal, no centro da capital, Lima, com cartazes contra e a favor da prisão do excasal presidenci­al.

A repercussã­o dentro do Peru, com lados polarizado­s, demonstrou um cenário parecido ao do anúncio, no Brasil, da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de se tratarem de casos diferentes em relação aos motivos que levaram à decisão do Poder Judiciário de cada país.

O atual presidente, Pedro Pablo Kuczynski, não havia se pronunciad­o até a conclusão desta edição.

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Melina Mejía/Xinhua O ex-presidente Ollanta Humala em seu carro após sair de casa para se entregar à Justiça

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