Liu Xiaobo, Nobel e preso, morre na China
Nobel da Paz passou os últimos 18 de seus 61 anos preso e só foi autorizado a sair na fase terminal de um câncer
Repressão ao ativista pró-democracia piorou após prêmio em 2010; Pequim é criticada por dificultar tratamento
Único Prêmio Nobel que estava encarcerado em todo o mundo, o ativista chinês Liu Xiaobo, 61, morreu nesta quinta-feira (13), 17 dias depois de ter sido levado da prisão a um hospital por causa de um câncer avançado.
Um dos principais líderes do movimento pró-democracia chinês das últimas décadas, ele foi contemplado com o Prêmio Nobel da Paz em 2010, quando já cumpria pena de 11 anos de prisão por envolvimento em “atividades para derrubar o governo”.
Na época, a reação de Pequim foi dura: colocou sua mulher, Liu Xia, em prisão domiciliar, adotou retaliações comerciais e diplomáticas contra a Noruega e proibiu a saída do país de amigos e simpatizantes que iriam à cerimônia de entrega, incluindo o artista Ai Weiwei.
A condenação de Liu Xiaobo se deve principalmente à Carta 08, manifesto publicado em 2008. O texto, assinado por 303 ativistas, defende a abertura democrática e o fim do monopólio político do Partido Comunista.
“A realidade política, à vista de todos, é que a China tem muitas leis, mas não Estado de Direito”, diz o texto, que Liu Xiaobo ajudou a escrever.
O ativista nasceu em 1955, no tumultuado início do regime comunista. Em 1977, com a reabertura das universidades após a morte de Mao Tse-tung, ingressou no Universidade de Jilin para estudar literatura chinesa. Em 1988, concluiu o doutorado com a tese “Estética e a Liberdade Humana”.
“Desde o momento em que nos conhecemos, no outono de 1986, reconhecemos um temperamento semelhante: compartilhamos dúvidas existenciais sobre um mundo traiçoeiro tingido com uma espécie de otimismo exuberante, muitas vezes injustificado”, escreveu o sinólogo australiano Geremie R. Barmé.
Em 1989, Liu Xiaobo participou ativamente dos protestos estudantis, reprimidos brutalmente pelo governo chinês. Preso quatro dias após o Massacre da Paz Celestial, foi condenado a 18 meses em regime fechado —a sua primeira de quatro temporadas preso.
A experiência com o movimento estudantil foi um ponto de inflexão na vida de Liu, então dedicado principalmente à carreira de professor de literatura.
Finda a primeira condenação, passou a se dedicar mais a escritos políticos do que a literatura, o que levou a um segundo período na prisão em 1995, desta vez por sete meses. Em seguida, recebeu mais três anos de pena, cumprida em um campo de reeducação por meio de trabalhos forçados.
Na quarta temporada, quando foi informado que ganhara o Nobel na prisão, ele chorou e dedicou o prêmio “às almas dos mortos”.
Em 26 de junho deste ano, quando Liu foi internado, sua saúde já estava bastante debilitada. “Ele não pode ser operado, não pode fazer radioterapia, não pode fazer quimioterapia”, afirmou a mulher, Liu Xia, em breve vídeo divulgado logo após vêlo no hospital.
Para o Comitê do Nobel, Pequim tem “grande responsabilidade” na morte do dissidente. “Consideramos profundamente perturbador que Liu Xiaobo não tenha sido transferido para um estabelecimento onde poderia ter recebido tratamento médico adequado antes que sua doença entrasse em estágio terminal”, disse a presidente do comitê, Berit Reiss-Andersen.
Pese os longos anos na prisão, Liu sempre pregou a resistência pacífica ao regime: “Não tenho inimigos nem carrego ódio”, escreveu em 2009, em declaração para o julgamento que o condenou pela última vez. “Espero que eu seja a última vítima do longo histórico chinês de tratar palavras como crimes.”
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Consideramos perturbador que Liu Xiaobo não tenha sido transferido [e] recebido tratamento médico antes que sua doença entrasse em estágio terminal”
BERIT REISS-ANDERSEN
presidente do Comitê do Nobel