Folha de S.Paulo

Aqui às 7h30 para vender o que tinha recolhido”, diz o dono do ferro-velho.

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Carroceiro há mais de 13 anos, Ricardo Silva Nascimento, 39, andava com medo da polícia. “Uns meses atrás a gente conversava e ele dizia que estava sendo perseguido pela polícia. Dizia que estavam armando uma arapuca para ele”, contou o carroceiro Jessé Rodrigo da Silva, 29, colega na oficina de reciclagem onde Nascimento vendia o que juntava nas ruas.

No início da noite da última quarta (12), Nascimento foi morto com dois tiros por um policial na rua Mourato Coelho, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

Segundo testemunha­s, a polícia foi chamada pela atendente de uma pizzaria onde o carroceiro tinha ido pedir comida. Dois PMs que faziam ronda a pé chegaram rápido.

Alterado, Nascimento os ameaçou com um pedaço de pau. Um dos PMs ordenou que abaixasse o objeto, antes de disparar duas vezes à queimaroup­a. O corpo foi colocado inerte no porta-malas de uma viatura da Força Tática e levado ao Hospital das Clínicas, onde chegou sem vida.

Há dois anos, o carroceiro foi condenado e ficou seis meses preso por ter atirado pedras a uma base da GCM na prefeitura regional de Pinheiros e agredido dois policiais.

“Ele vivia com medo desde que saiu da cadeia. Contou que policiais colocaram fogo no colchão onde ele dormia na frente do [colégio estadual] Fernão Dias. Depois, passou a dormir na [rua] Sebastião Velho”, conta o carroceiro Fabiano da Silva Soares, 25.

Com problemas mentais e alcoolismo, Nascimento era conhecido na região. “Ele passava rindo quando estava de bom humor e xingando sozinho quando estava bravo. Mas nunca fez nada para ninguém”, diz Kelen, uma moradora do bairro.

“Conheci esse cidadão. Ele já ameaçou uma funcionári­a minha por causa de cigarro, mas nada justifica ele ter sido morto. Ele ameaçou o policial e em nenhum momento recuou. Ele estava agressivo ou com problema mental”, diz a consultora de marketing Vivian Pereira, 46.

No dia em que morreu, passou no ferro-velho para vender um box de alumínio, vestindo uma camiseta do Grêmio, apesar de ser corintiano.

Tinha tinha três carroças e costumava trabalhar à noite. “Ele catava o material reciclável das lojas que ficam na rua Teodoro Sampaio. Todo mundo conhece ele por lá”, diz o dono do ferro-velho, Marcos Paulo Pereira, 27.

O carroceiro chegava a juntar até 200 quilos de material reciclável em um dia, pelos quais ganhava de R$ 40 a R$ 200 por dia. “Ele tinha uns problemas de cabeça, mas era um cara legal. Falava sozinho, mas todo dia estava CARREATA Carroceiro­s que trabalhava­m com Nascimento trocaram o entulho para carregar cartazes de protesto no fim da tarde desta quinta-feira (13).

Em carreata, ao menos 15 deles seguiram do ferro-velho até a esquina das ruas Mourato Coelho e Navarro de Andrade. O comboio era liderado pela carroça de Nascimento, que foi pintada de branco e presa com uma corrente a um poste a poucos metros de onde ocorreram os disparos.

Ao lado, foi montado um altar com flores e velas deixados por moradores dos prédios vizinhos. “Somos nós que fazemos a limpeza de São Paulo, não podem nos matar como animais”, disse o carroceiro Aparecido dos Santos, 65.

Uma professora pegou flores no jardim do prédio onde mora, a poucos metros da cena do crime, e colocou na calçada. “Disseram que ele sofria de esquizofre­nia. Meu filho também sofria, mas já morreu. Cheguei quando ele estava estirado no chão com o olho vidrado”, disse, entre lágrimas.

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Marlene Bergamo/Folhapress Catadores de material reciclável fazem carreata e vigília em homenagem a colega morto por PM em Pinheiros na quarta

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