Folha de S.Paulo

Para promotor, morte não teve relação com futebol

Castilho diz que torcida única é sucesso; especialis­tas discordam

- ALEX SABINO EDUARDO GERAQUE LUIZ COSENZO

VIOLÊNCIA

Paulo Castilho, promotor do Juizado Especial Criminal, não considera o assassinat­o do torcedor palmeirens­e Leandro de Paula Zanho, 38, como relacionad­a ao futebol.

Ele foi morto a facadas na madrugada de quinta (13) durante briga com corintiano­s na esquina da rua Tupi e avenida General Olímpio da Silveira, na zona oeste de São Paulo (leia mais ao lado).

Zanho havia saído com amigos do Allianz Parque após a derrota do Palmeiras para o Corinthian­s por 2 a 0.

“Você não pode colocar esse crime na conta do futebol. Isso é estopim de uma índole violenta. Não tem nada a ver com o futebol. Se o sujeito sai do estádio nervoso, chega em casa, briga com a mulher e dá um tiro nela, isso é crime relacionad­o ao futebol? Querer relacionar uma coisa com a outra é sensaciona­lismo”, disse o promotor.

Castilho é o principal defensor da decisão de proibição de torcida visitante nos clássicos em São Paulo, que vigora desde abril do ano passado. A medida já foi aplicada em outros Estados.

“O balanço [da torcida única] é muito positivo. Não tivemos nenhum incidente nas partidas. Os torcedores que foram [para o clássico Palmeiras e Corinthian­s] com o pensamento de estar em paz, chegaram em casa salvos”, completou Castilho.

A morte de Zanho foi a primeira fora dos estádios paulistas desde a decisão.

Mas a política é controvers­a e copia o que é aplicado na Argentina desde 2013. E mesmo lá os especialis­tas contestam sua eficácia.

“Proibir apenas os visitantes não resolve. Os violentos marcam brigas para locais distantes dos estádios e é isso o que acontece na Argentina. Isso na questão da segurança, sem citar que o futebol é um espetáculo público e cultural, que deveria agregar as pessoas”, diz Monica Nizzardo, fundadora da ONG Salvemos al Fútbol, que combate a violência no esporte.

A Polícia Militar de São Paulo também já se manifestou de forma favorável à torcida única como ferramenta para evitar a violência relacionad­a ao futebol.

“O crime [que matou o palmeirens­e] é um homicídio comum em que foi usado o pretexto do futebol. Não tem nada a ver com torcida única ou não”, insiste Castilho, citando que nenhum envolvido era de torcida organizada. OPERAÇÃO DE GUERRA Especialis­tas no assunto pedem que a medida seja repensada porque não representa uma solução perene.

“Torcida única não é medida consistent­e e de longo alcance. A morte que aconteceu após o Palmeiras e Corinthian­s... Era jogo de uma torcida só. A gente tem de repensar essas canetadas, essas medidas de enxugar gelo. Cerca de 90% dos conflitos entre torcidas acontecem fora do estádio”, opina Mauricio Murad, doutor em sociologia dos esportes e especialis­ta em violência no futebol.

Ainda há a questão de como as autoridade­s veem o evento. Marcos Klein, autor de relatório sobre o assunto engavetado pelo Ministério do Esporte desde 2006 defende maior investimen­to da polícia em inteligênc­ia.

“Torcida única passa um sentimento de fracasso. A Inglaterra venceu a disputa com os hooligans quando passou ter unidade de inteligênc­ia dentro da polícia, sem encarar a partida de futebol como operação de guerra. Nenhum torcedor de bem quer ir para uma operação de guerra”, defende ele.

O próximo clássico paulista a ser realizado com apenas os donos da casa será entre Palmeiras e São Paulo, em 27 de agosto.

“A torcida única é a declaração de falência da autoridade pública. Se você tira uma torcida do ambiente do estádio, espalha esse coletivo pela cidade e aí não controla não fiscaliza nada”, completa Mauricio Murad, citando que não é uma medida que tem sustentaçã­o na cultura do futebol.

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