Folha de S.Paulo

FORA DA CAIXA

Adepto da natureza e dos reciclávei­s, japonês Kengo Kuma volta a São Paulo para mostrar diversidad­e de sua obra

- RAUL JUSTE LORES

Aplicando singelos bambu, madeira hinoki e papel-arroz a um predinho insípido na avenida Paulista, o japonês Kengo Kuma, 62, criou um ímã para a cultura nipônica.

O arquiteto volta à sua primeira obra no Brasil, na semana que vem, para mostrar a versatilid­ade com diversos materiais, muito além da sua Japan House, projetada em colaboraçã­o com o escritório paulistano FGMF. Ele participa de um debate na segundafei­ra (17), promovido pelo Arq. Futuro, e abre uma exposição sobre seu trabalho, “Eterno Efêmero”, na terça (18).

Autor do futuro Estádio Olímpico dos Jogos de Tóquio-2020, ele advoga mais natureza e materiais reciclávei­s para nossa época.

“Concreto e aço foram os materiais do século passado. A madeira terá um papel chave no século 21, quando as necessidad­es são outras”, diz Kuma à Folha, que costuma misturar a madeira com fibras de carbono.

“No século 21, não somos mais restritos à vida dentro de uma caixa. Já nem queremos mais ser proprietár­ios da caixa onde moramos. Caixas são entediante­s, reduzem as possibilid­ades”.

Para ele, o concreto não é tão durável quanto parece. A madeira, ele aprendeu pesquisand­o a tradição japonesa, envelhece melhor e tem um processo de substituiç­ão e reciclagem mais planejado. “Um templo antigo de madeira é muito vivo por causa do sistema de substituiç­ão.”

Várias maquetes e objetos recentes de sua carreira, da pequena doceria Sunny Hills, em Tóquio, a obras grandes que desenvolve­u na China, como o museu Xinjin Zhi, poderão ser vistas na Japan House.

Seu Estádio Olímpico terá verde e árvores em vários níveis da arquibanca­da para criar

KENGO KUMA, 62

arquiteto sombra. A escolha do desenho aconteceu após tumultuado­s protestos contra o projeto da iraquiana Zaha Hadid, que custava quase o dobro (o equivalent­e a R$ 7 bilhões).

“Como no Brasil, o pagador de impostos é mais sensível ao uso do dinheiro público, não só em estádios, o que se reflete no desenho que fiz. Pensei nesta era de baixo cresciment­o, envelhecim­ento rápido da nossa sociedade, e de baixa natalidade. A arrecadaçã­o vai encolher, é um fato.”

Ele entende de crises. Não teve nenhum trabalho em Tóquio por mais de dez anos, quando a bolha de cresciment­o japonês estourou. “Peregrinei por cidades pequenas do Japão, onde consegui meus projetos, pequenos e de baixo orçamento. Conheci artesãos e carpinteir­os, com quem aprendi muito”, lembra. PASSADO CONCRETO Ironicamen­te, Kuma decidiu ser arquiteto ao visitar com o pai, aos dez anos de idade, as obras concebidas para a primeira Olimpíada realizada em Tóquio, em 1964, do premiado Kenzo Tange —um conjunto de concreto e verticaliz­ado.

Ficou fascinado. Mas diz que o mundo mudou. “Aquela época era centrada em consumo, não havia reciclagem e escassez de recursos naturais em vista. Ao focar na madeira e em materiais naturais, devemos buscar novos jeitos de uma vida sustentáve­l na Terra”, avalia.

Por isso, gostou tanto de seu trabalho na Japan House, com seus 2.500 m². Diz que tem aproveitad­o mais reciclar do que começar prédios do zero. “Preservo elementos das antigas estruturas o máximo possível. O que me desafia é manter materiais deteriorad­os, e deixá-los vivos.” Não quis apelar à “nostalgia fácil” da cultura milenar japonesa. “Quero mostrar o antigo e o novo do país, mostrar tudo, de forma objetiva.” FORA DO JAPÃO Sua obra se internacio­nalizou para valer nos últimos 15 anos. A China foi um dos primeirosp­aísesaenco­mendardive­rsas construçõe­s ao arquiteto. A empresa de iluminação Zhongtai fez a sede em Xangai com ele, um pequeno prédio protegido com quebra-sóis verdeseumh­allcompedr­aeágua.

Em Pequim, fez um enorme condomínio de apartament­os, lojas e escritório­s conectados por passarelas de madeira, até um shopping que nada tem de caixotão, o Village Sanlitun,

Quem se esforçar em construir prédios grandes e shoppings vai fracassar. Para uma cidade ser atrativa globalment­e, história e cultura têm que ser apresentad­as de maneira apropriada

onde as lojas são espalhadas em uma grande praça.

Em vez de corredores com iluminação artificial, ele criou vielas ao ar livre entre uma loja e outra, imitando o sistema de hutongs —casario interligad­o com pátios— da Pequim imperial. Spas e museus em cidades no interior da China continuara­m sua relação com o império do meio. “Tenho muita liberdade por lá, e tento preservar o charme das vilas tradiciona­is chinesas, que têm sido destruídas.”

Fã de São Paulo há 30 anos, quando fez sua primeira visita —“é uma das minhas cidades favoritas no mundo”—, Kuma fala do que acha importante em tempos de metrópoles globais, que competem entre si na atração de investimen­tos e talentos.

“Prédios grandes, shoppings, tudo isso é igual em qualquer lugar. Quem se esforçar em construir isso, vai fracassar. Para uma cidade ser atrativa globalment­e, história e cultura têm que ser apresentad­as de maneira apropriada. A relação com a cidade, com o entorno, é que faz a diferença”. Seja em um estádio ou em um pequeno prédio na Paulista. QUANDO de 18 de julho a 10 de setembro, de ter. a sáb., das 10h às 22h; dom. e fer., das 10h às 18h ONDE Japan House São Paulo, av. Paulista, 52, tel (11) 3090-8900 QUANTO grátis SEMINÁRIO Avenida Paulista: Novos Projetos, Novos Rumos, 17 de julho, das 14h às 18h, no Itaú Cultural (av. Paulista, 149); grátis (em lista de espera pelo site arqfuturo.com.br)

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Módulo da obra ‘Water Branch’, a ser exposta em São Paulo
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O arquiteto Kengo Kuma em sessão de fotos em Paris; ele estará em São Paulo para seminário e abertura de exposição

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