Folha de S.Paulo

Questionár­ios de verão: um flagelo

- RICARDO ARAÚJO PEREIRA COLUNISTAS DA SEMANA: sábado: José Simão, domingo: Marcius Melhem, segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo,

ENQUANTO OS habitantes do hemisfério sul desfrutam de um plácido inverno, nós, na outra metade do planeta, suportamos o verão e o seu mais inclemente produto: as entrevista­s levezinhas de verão.

Por alguma razão misteriosa, assim que as nuvens descobrem os primeiros raios de sol, os jornais adquirem a súbita vontade de confrontar pessoas inocentes com perguntas sobre os objetos que elas levariam para uma ilha deserta.

“Está calor”, imagino que o diretor do jornal diga aos seus jornalista­s. “Escolham um famoso e apurem imediatame­nte qual é o seu sabor de sorvete favorito. É urgente. Não podemos continuar nesta ignorância.”

Quando acima falei em pessoas inocentes, pesei bem a palavra. Quem responde a questionár­ios de verão é, em geral, gente livre de pecado. À pergunta: “Qual o seu maior defeito?”, respondem quase sempre de uma de duas maneiras: ou apontam um defeito menor (normalment­e, a teimosia), ou confessam uma qualidade excessiva que, na verdade, é um defeito dos outros (por exemplo: “confiar demais nas pessoas”).

Às vezes, fantasio com as respostas que eu daria a esse tipo de pergunta. Da vasta lista de defeitos que a minha personalid­ade me coloca à disposição, talvez escolhesse, por exemplo, estes: sou preguiçoso e guardo rancores. Sempre são dois pecados mortais, a ira e a preguiça. Gostava muito de juntar a luxúria, mas infelizmen­te não pratico tanto quanto desejaria.

Seria desonesto admitir deformidad­es que apenas aspiro a ter. Mas agradar-me-ia muito ser o único madraço mau-caráter no meio de meros teimosos ingênuos.

O que significa, constato agora, que talvez devesse acrescenta­r também a vaidade à lista —fato que, aliás, me envaidece.

Todos os verões eu envio, sem sucesso, o meu próprio questionár­io de verão já preenchido para várias publicaçõe­s, fornecendo todas as informaçõe­s habituais antes mesmo de perguntare­m.

Por exemplo, se pudesse escolher qualquer pessoa do mundo para jantar, eu escolheria uma pessoa macia. Não aprecio carne dura.

Ou, inovando: o que eu levaria para uma ilha habitada? Um tigre, porque prefiro ilhas desertas. Nunca publicam, porque são teimosos. E, provavelme­nte, confiam demais nas pessoas.

Agradar-me-ia muito ser o único madraço maucaráter no meio de meros teimosos ingênuos

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Luiza Pannunzio

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