Folha de S.Paulo

Lava Jato na balança

Senadores dão apoio inédito a futura procurador­a-geral, que precisará mostrar na prática independên­cia para prosseguir com investigaç­ões

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Escolhida pelo presidente Michel Temer (PMDB) para substituir Rodrigo Janot no comando do Ministério Público Federal, Raquel Dodge passou sem problemas pela sabatina a que foi submetida no Senado na última quarta-feira (12).

Após mais de sete horas de questionam­entos na Comissão de Constituiç­ão e Justiça, a futura primeira mulher a ocupar a Procurador­iaGeral da República terminou aprovada por unanimidad­e, fato inédito no colegiado. Em seguida, teve seu nome endossado por 74 senadores —há dois anos, Janot, cujo mandato se encerra em 17 de setembro, obteve 59 votos favoráveis.

Infelizmen­te para Dodge, o apoio extraordin­ário não equivale a um atestado de excelência pelos serviços prestados. Ao contrário, reflete a expectativ­a, compartilh­ada pela maioria dos congressis­tas, de que a Operação Lava Jato arrefeça sob nova direção.

Não é de hoje que Dodge se apresenta como contrapont­o ao atual procurador-geral. Quando Janot foi reconduzid­o ao cargo, em 2015, ela já aparecera na lista tríplice formada por iniciativa da categoria. Na disputa deste ano, deixou claras suas críticas em relação à falta de transparên­cia nos acordos de delação premiada e suas divergênci­as quanto à divulgação antecipada de investigaç­ões ainda em curso.

Ademais, seu nome tem sido vinculado nos bastidores a personagen­s do círculo próximo de Temer, como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-presidente José Sarney (PMDB).

Por outro lado, Dodge destacouse no MPF pela atuação firme em casos de corrupção. Em 2009, participou da Caixa de Pandora, operação que revelou o chamado mensalão do DEM, e pediu a prisão de José Roberto Arruda, à época governador do Distrito Federal.

Seu currículo também inclui a ação que resultou na condenação de Hildebrand­o Pascoal, ex-deputado que matou um mecânico com uma motosserra no Acre, e o processo que levou à prisão José Carlos Gratz, ex-presidente da Assembleia Legislativ­a do Espírito Santo.

Como tem sido usual nas sabatinas do Senado, Dodge não precisou anunciar posições definitiva­s em relação aos temas mais delicados.

Corrupção? “Manteremos esse trabalho de enfrentame­nto, aumentando se necessário as equipes que hoje já o vem desenvolve­ndo.” Delação premiada? “Estamos debruçados para entender a instituiçã­o, seus limites e sua validade.” Lei de abuso de autoridade? “No regime democrátic­o, controles são necessário­s, inclusive sobre os órgãos de administra­ção de Justiça.”

São respostas genéricas, mas bastaram para sinalizar sua disposição a um diálogo que Janot se recusa a travar. Raquel Dodge faz bem em reconhecer que o MPF também comete erros. Corrigi-los é a melhor maneira de assegurar a repetição dos acertos.

A resposta mais importante, contudo, virá com a prática: a futura procurador­a-geral terá independên­cia para, nos termos da lei, prosseguir com as investigaç­ões que os políticos gostariam de ver abafadas?

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