Folha de S.Paulo

O lulismo de Doria

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“Minha bandeira não é vermelha, é verde e amarela.” Lula é um “sem-vergonha” e “maior cara de pau do Brasil”, que “vai ver o Sol nascer quadrado em Curitiba”. Dilma é uma “anta”. Petistas “não sabem o que é trabalho porque têm como espelho o Lula, o espelho da vagabundag­em”.

O leitor talvez ache que se trata de um apanhado do que lê em comentário­s anônimos na internet. Mas são declaraçõe­s recentes do prefeito de São Paulo, João Doria.

O tucano ganha terreno como o mais agressivo em seu partido contra o petismo. Exgovernad­or e vice-presidente da sigla, Alberto Goldman comparou Doria a um “papagaio falando”. Disse que, embora a condenação de Lula parecesse correta, “nenhum dirigente partidário se regozijou com isso”, já que haveria “respeito pela história” do petista.

Muitas podem ser as razões a mover a língua de Doria. Ao discursar contra a corrupção petista, distancia-se de colegas de partido enrolados. Ao mirar um ex-presidente e, por vezes, evocar mais o Brasil que São Paulo, projeta-se nacionalme­nte.

Ademais, as diatribes aquecem o coração do eleitorado antipetist­a, que pode retribuir com votos em 2018. Por fim, não se deve descartar que Doria de fato sinta todo esse ódio e precise externá-lo.

É algo que pode se aplicar ao cidadão comum, que tem várias razões para se insurgir —com a elegância verbal que lhe convier— diante do petismo e seu histórico de escândalos e crise econômica.

Doria, porém, governa a maior cidade brasileira e é uma liderança ascendente de um dos principais partidos brasileiro­s.

Muita água passará sob a ponte, mas sua eventual candidatur­a tem evidente potencial competitiv­o. Não seria nada mal se o prefeito buscasse figurino mais presidenci­al.

Uma inspiração pode vir de Emmanuel Macron, cuja vitória alegrou Doria a ponto de ele gravar vídeo na língua do parabeniza­do.

O leitor não encontrará registro de ataques virulentos do francês a seus antecessor­es —e note que lá também há um expresiden­te metido em escândalos, Jacques Chirac.

Bem diferente do atual chefe de Estado francês, o estilo de João Doria lembra, veja só, odeLula.

Após uma Presidênci­a com constantes ataques às “elites”, o petista tem dobrado a aposta no “nós contra eles”. “Quero saber onde estão os coxinhas depois do Temer governando este país. Cadê as panelas, hein?”, afirmou no sábado (15) não um internauta raivoso, mas o ex-presidente da República.

Ao repetir com sinal trocado a velha retórica do rival, Doria perde a oportunida­de de ser de fato uma novidade política. Faz crescer as chances de que, quem quer que ganhe, tenhamos não um estadista, mas um comentaris­ta de internet no Palácio do Planalto.

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