A maioria dos feridos por esse tipo de munição praticamente chega morta na unidade.
Um professor universitário e engenheiro de 59 anos seguia para o trabalho na quarta-feira (12) quando foi atacado por bandidos numa das vias mais movimentadas do Rio.
Acelerou, foi perseguido por sete quilômetros e atingido por um tiro no tórax, ao dar uma fechada para tentar escapar da perseguição. Ferido, dirigiu por mais dez quilômetros até encontrar um posto médico na via Dutra.
No mesmo dia, um homem de 32 anos foi baleado com seis tiros (dois no abdômen, um no tórax, um na mão direita, um na perna direita e outro na lombar) no início da tarde, vítima de uma disputa entre traficantes e milicianos num dos bairros mais violentos da Baixada Fluminense.
Com destinos diferentes (um sobreviveu praticamente sem sequelas físicas enquanto o outro morreu logo após uma cirurgia de duas horas), os dois fazem parte de um triste retrato da escalada da violência no Rio.
Ambos foram atendidos na lotada “sala vermelha” (para pacientes em estado grave) do Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, uma das poucas emergências da Baixada Fluminense e que enfrenta uma disparada de vítimas.
Só no primeiro semestre de 2017, a unidade registrou um aumento de 60,8% de baleados em relação ao mesmo período do ano anterior. De janeiro até domingo (16), 393 pessoas foram internadas no hospital alvejadas por tiros.
A Folha acompanhou por dois dias a rotina dos médicos e de pacientes do chamado “hospital da guerra”, erguido na região mais violenta do Rio e principal porta para baleados em meio ao recrudescimento da violência.
Segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), ligado ao governo estadual, a Baixada Fluminense registrou um aumento de 30,6% no índice de letalidade violenta (de 810 casos para 1.058) nos cinco primeiros meses de 2017 —ante igual período do ano passado.
O índice soma registros de homicídio doloso, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e homicídio por oposição a intervenção policial. CALIBRE “Dei muita sorte. Infelizmente, vivemos num estado de guerra não declarado. O que aconteceu comigo não é uma exceção. Todos os dias, dezenas de pessoas passam por isso”, disse o professor
Raio-x da unidade que é a principal porta de entrada para baleados da Baixada Fluminense
475 Sérgio Luiz Branco, 59, sobrevivente do ataque de quarta.
Horas depois de sair da cirurgia, falando devagar por recomendação médica ele aguardava a transferência para um hospital particular deitado numa sala com outros quatro pacientes da unidade.
No corredor, cinco militares faziam a proteção da enfermaria ao lado. Ali, três traficantes baleados também estavam internados. Algemados nas camas, foram feridos em confronto com policiais.
Apesar do trauma, o professor Sérgio afirmou que não irá mudar a sua rotina. “Acredito que nesta vida nada é por acaso. Mas acredito também que a polícia precisa agir na causa, com inteligência.” Na rápida entrevista, fez questão de dizer que era contra a redução da maioridade penal.
Com uma média de dois feridos a bala por dia, os médicos da Posse constatam também um crescimento dos atingidos por armas de grosso calibre, como fuzil, nos últimos meses. O hospital não tem uma estatística oficial, já que TRAUMA “Não tenho dúvida em afirmar que aqui é um hospital de guerra pelo quantitativo de feridos por tiros e pelo tipo de gravidade”, afirmou o diretor do Hospital da Posse, Joé Sestello. “Para agravar mais a situação, o ferimento por projetil de fuzil causa uma destruição muito maior. Se acertar o tórax ou o abdômen, é praticamente mortal.”