Folha de S.Paulo

DEPOIMENTO Era 1975, 1977... Não lembro de nada, mas como esquecer dos Trapalhões?

- IVAN FINOTTI

Foi nas férias de julho de 1975 que minha mãe me levou de tarde, no meio da semana, a uma galeria na rua Domingo de Moraes, ao lado do supermerca­do Barateiro (que, eu compreendi­a, tinha esse nome por abrigar muitas baratas). Havia um cinema lá no fundo da galeria e o cartaz era de “O Trapalhão na Ilha do Tesouro”.

Creio que foi meu primeiro filme no cinema, eu ainda não tinha cinco anos, e foi também meu segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo e oitavo filme, porque, quando as aulas voltaram, eu convenci a diarista de casa a me levar de novo quase todos os dias por duas semanas consecutiv­as.

Ainda não havia para mim Mussum e Zacarias; apenas Didi e Dedé faziam parte da gangue nos cinemas. Mussum estrearia no filme de 1976, “O Trapalhão no Planalto do Macacos”, com toda a sorte de piadas negromacac­o que você é incapaz de imaginar 40 anos depois.

Zacarias apareceria em “Os Trapalhões na Guerra dos Planetas”, de 1978, primeira produção que usa o termo “trapalhões” no plural, pois até então havia apenas “o trapalhão” Didi.

“Guerra dos Planetas”, paródia de “Guerra nas Estrelas”, lançado aqui no mesmo ano, nem filme é: foi gravado em videotape, produzido em parceria e com as câmeras do programa da TV Globo, para onde o grupo havia se mudado em 1977.

Já haviam passado pelas TVs Excelsior, Record e Tupi, com diferentes formações, mas foi na Globo, pelo menos para mim, que Os Trapalhões escreveram sua história. Iam ao ar às 19h dos domingos, antes do “Fantástico” (isso é importante).

Minha situação era gravíssima: íamos quase todo fim de semana para São Simão, a 274 km de São Paulo (pelo menos quatro horas na Belina de meu pai), e a briga dominical era que os adultos queriam voltar justamente na hora d’“Os Trapalhões”.

Eu e meus dois irmãos chorávamos, esperneáva­mos, ganhávamos metade das vezes. E assistíamo­s ao programa com meus pais e avós também na maior TV do mundo, que tinha até portas para fechar. Todo mundo amava “Os Trapalhões”.

Não consigo me lembrar de nenhuma das centenas de esquetes que assisti em São Simão ou em São Paulo, talvez um ou outro lampejo da série “Trapa Suate”.

Mas ainda hoje, quando ouço a música do “Fantástico” —aquela música que para muita gente traz uma angústia por anunciar a ameaça da semana, da escola, do trabalho—, minha sensação é de vazio. Porque acabou o programa dos trapa.

“Fiquei preocupado de o programa ter uma rejeição do público que assistiu a ‘Os Trapalhões’. Tivemos cuidado pra dizer que eles [os atores] são Didico, Dedeco, Mussa e Zaca porque os quatro originais são insubstitu­íveis”, diz Renato Aragão.

Na TV aberta, o novo “Os Trapalhões” será exibido em setembro. “O Viva se alicerça como lugar de memória. E, a partir do momento que o programa vai ao ar, todas as mídias começam a se abastecer do programa”, afirma o diretor da atração. ALÉM DA TV “Os Trapalhões” também marcaram época com mais de 40 filmes e HQs.

Os gibis tiveram duas fases. Os quadrinhos sobre a trupe foram publicados, primeiro, pela editora Bloch, onde as piadas seguiam a linha da TV. Depois, pelo grupo Abril, quando “se infantiliz­aram”.

“O intuito da mudança de casa era tentar pegar uma fatia do público da ‘Turma da Mônica’”, diz Rafael Spaca, autor de “As HQs dos Trapalhões” (ed. Estronho), de 2017.

Vistos pelos críticos como escrachado demais, o grupo viu o jogo virar graças ao poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-87).

Reza a lenda que, certo dia, o poeta dispensou um repórter ao telefone porque estava assistindo ao humorístic­o. “A partir dali, muitos telespecta­dores passaram a assumir que viam o quarteto na TV”, afirma Spaca.

A fama da trupe ganhou respaldo de intelectua­is. Caetano, por exemplo, homenageou o grupo na canção “Jeito de Corpo”, de 1981. Já Chico Anisyo (1931-2015) deu uma definição afetiva: para ele, Didi era um antídoto contra a amarga realidade do Brasil. NA TV OS TRAPALHÕES Estreia nesta segunda-feira (17), às 20h30 Canal Viva

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