Diretor George Romero morre aos 77 anos
Pai dos filmes de zumbi, americano resgatou gênero do horror ao lançar ‘A Noite dos Mortos-Vivos’, em 1968
Monstros de suas obras, parecidos com homens, refletem questões como desigualdade social e um mal-estar coletivo FOLHA
O terror era um gênero moribundo, já se disse, quando “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) irrompeu como uma produção independente quase miserável que iria fazer história e fixou George A. Romero, para sempre, como um inovador do gênero.
Quase ao mesmo tempo, é verdade, Roman Polanski lançava, também com grande êxito, seu “O Bebê de Rosemary” (1968). O mal-estar do mundo no final dos anos 1960 parecia vir à tona com força.
DeixemosPolanskidelado, por ora, para ficar com Romero. O cineasta nascido em Nova York em fevereiro de 1940, e que passou a adolescência dentro de cinemas se alimentando de tudo que podiam lhe dar os grandes filmes dos anos 1930 e 40, do “Drácula” de Tod Browning ao “Sangue de Pantera” de Jacques Tourneur, morreu de câncer neste domingo, aos 77 anos.
“A Noite dos Mortos-Vivos” relançou com força uma saga até então confinada aos mistérios religiosos do Haiti, de que aliás o mesmo Tourneur tratara com grande força em “A Morta-Viva” (1943).
Agora, porém, algo havia mudado. Em primeiro lugar, em termos de produção: tratava-se de algo quase amadorístico produzido por um grupo de dez amigos. Algo que lembrava o “Shadows” de John Cassavetes (por sinal ator em “O Bebê de Rosemary”, onde se desentendeu solenemente com Polanski).
No mais, na intriga havia um lugar onde homens se protegiam de canibais (segundo Romero os definiu: de início ele não pensou em zumbis) tremendamente agressivos.
O poder do contágio já era evidente, mas o que mais chama a atenção no filme é o tom desolador que o atravessa: uma angustiante sensação de fim de mundo.
O sucesso do filme de certa forma mostrou-se paralisante para o cineasta, que só voltaria ao gênero anos depois, com “Martin” (1977), do jovem que, numa viagem de trem, vê o que parece ser a garota de sua vida: a violenta, a mata e bebe seu sangue.
Seus monstros nunca foram seres distantes de nosso mundo. Ao contrário, podiam ser excessivamente parecidos conosco. Daí, talvez, a terrível pergunta que nos sugeriam: e quem garante que não sou eu, também, um desses mortos-vivos?
O mal-estar, sempre. O desgosto do mundo tal como se desenhava naquele momento em que a contracultura era vencida pela guerra no Vietnã. Esse mal-estar foi a marca que transmitiu aos mais notáveis e inovadores cultores do gênero que vieram depois, de David Cronenberg a John Carpenter.