Folha de S.Paulo

Passe livre

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Em junho de 2013, milhares de paulistano­s saíram às ruas exigindo a revogação dos aumentos nas tarifas de transporte. Os protestos se nacionaliz­aram, ampliaram a pauta e reorganiza­ram a vida política do país. Mas, passados quatro anos, sua reivindica­ção original permanece órfã.

O prefeito de São Paulo, João Doria, anunciou que vai limitar o passe livre estudantil, um benefício concedido por Haddad em 2014, ainda sob o impacto dos protestos, e ampliado depois, em 2016. Desmobiliz­ados pelas férias escolares e divididos entre partidário­s e autônomos, os secundaris­tas tentam resistir.

Parece intrigante que a reivindica­ção mais explícita das manifestaç­ões de junho não tenha sido ainda incorporad­a pelos partidos brasileiro­s. Alguns motivos explicam essa estranha situação.

O fato de protestos contra a tarifa terem dado início ao terremoto de 2013 é ainda, para grande parte dos analistas, um enigma. O motivo é que passou despercebi­do, para a imprensa e para a academia, os dez anos de revoltas de transporte que começam com a Revolta do Buzu, em Salvador, em 2003, e passam pelas duas Revoltas da Catraca, em Florianópo­lis, em 2004 e 2005, e pelas revoltas de 2005, 2011 e 2012 em Vitória. Se colocarmos junho de 2013 nessa longa sequência de revoltas de transporte deflagrada­s por protestos de jovens, sua gênese não é estranha.

Além disso, o tema foi muito estigmatiz­ado pela esquerda institucio­nal que atribui às manifestaç­ões de 2013 a derrota eleitoral de Haddad e o “despertar” da direita que contribuiu para a queda de Dilma.

Com a incompreen­são da amplitude da reivindica­ção pela redução das tarifas e com a má vontade do principal partido da esquerda, o aumento do subsídio ao transporte público quase desaparece­u da agenda. Nas últimas eleições foi o candidato liberal, João Doria, quem se compromete­u a não aumentar a tarifa e ampliar o subsídio, o que vem revertendo de maneira disfarçada, com aumentos em modalidade­s de tarifas compostas e a limitação de benefícios como o passe livre.

Poucas políticas podem ser menos heterodoxa­s do que aumentar o subsídio ao transporte público. A população vem sistematic­amente exigindo a redução da tarifa, e nosso nível de subsídio é bem abaixo do padrão europeu e mesmo de países latino-americanos. Há também um consenso cada vez maior no urbanismo sobre o papel do transporte como direito-meio, que permite o acesso à educação, à cultura e ao trabalho.

Os partidos em geral ignoram e a imprensa trata o tema como populismo, mas já está na hora de romper esse consenso mal-informado e incorporar a mobilidade urbana como um direito da cidadania.

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