PF diz não ver obstrução de Jucá, Renan e Sarney
Peemedebistas foram investigados a partir de gravação de Sérgio Machado
Em áudio, revelado pela Folha, Jucá falava em ‘estancar a sangria’ da Lava Jato; delegada diz não haver provas
A delegada da Polícia Federal Graziela Machado da Costa e Silva concluiu em relatório que não há prova de crime de obstrução à Justiça apurado em um dos inquéritos abertos pela Procuradoria-Geral da República a partir da delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
A policial também propôs que Machado deixe de obter os benefícios do acordo de delação fechado em 2016 com a PGR e homologado pelo ministro do STF Teori Zavascki, morto em janeiro passado.
Pelo acordo, Machado se comprometeu a pagar R$ 75 milhões em multa e ficou livre de cumprir pena em regime fechado. Deverá passar três anos em prisão domiciliar a partir de eventual condenação.
O relatório da PF, anexado ao inquérito que investiga os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente da República José Sarney (PMDB), ainda será avaliado pela PGR, a quem cabe pedir arquivamento ou denunciar os investigados.
A PGR também poderá pedir mais prazo para novas diligências. No ano passado, a PGR pediu a prisão dos três políticos, acusando-os de obstrução à Justiça. Elas foram negadas por Teori.
No relatório, a delegada afirmou que “as conversas estabelecidas entre Sérgio Machado e seus interlocutores limitaram-se à esfera pré-executória, ou seja, não passaram de meras cogitações” e que “as condutas evidenciadas não atingem, numa concepção exclusivamente criminal, o estágio” de se provar “o delito em questão”.
Nas conversas gravadas por Machado entre fevereiro e março de 2016, Romero Jucá falou da necessidade de um “acordo nacional”, que incluiria membros do STF, para “estancar a sangria” da Operação Lava Jato.
“Só política, como é a política, tem que resolver essa parra, tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”, disse Jucá, conforme a transcrição feita pela PF. O áudio foi revelado pela Folha em maio de 2016.
O senador também falou sobre a “solução Michel”, em referência à substituição da presidente Dilma Rousseff JUCÁ Tem que ter impeachment. Não tem saída [...] MACHADO [...] Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês [...] JUCÁ [...]Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria [...] MACHADO Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer]. JUCÁ Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. ‘Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra MACHADO É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional Sobre impacto das delações SARNEY Agora precisa se armar. Como vamos fazer com essa situação. A oposição não vai aceitar. Vamos ter que fazer um acordo geral com tudo isso. Sobre ministros do STF e o ex-presidente Lula MACHADO Tudo por causa dessa mulher aí. Renan, como esses caras nomeiam oito ministros do Supremo, oito! Para cima do Rio é tudo um bando de fanfarrão. Fux, não sei quem, não sei quem. A Rosa Weber não deu o negócio do Lula, rapaz. RENAN Não deu. Falei com o Lula outro dia... MACHADO Ele acha que ganha no pleno? RENAN Acha que gan... Tem que aguardar essa decisão. pelo seu então vice, Temer, o que veio a ocorrer meses depois do diálogo, com o impeachment da presidente.
Ouvido pela PF, Jucá disse que “o contexto da conversa era sobre uma solução política que envolvia a substituição do presidente da República, consistindo na grande crise que abalava o país, e não sobre a operação Lava Jato”.
A respeito de diálogo gravado com Machado no qual trataram da queda de Dilma e um governo de “união nacional”, Sarney afirmou em depoimento à PF que “em todas as crises a melhor solução sempre é um acordo geral entre as diversas instituições e Poderes do país, sendo que em todas as crises [...] o Supremo participou da solução”.
Para a delegada, essas afirmações não constituíram crime de obstrução à Justiça, pois não ficou comprovado que Jucá, Sarney e Renan tenham procurado impedir que o inquérito que investigava Machado, no STF, fosse enviado à primeira instância da Justiça Federal, para o juiz de Curitiba (PR) Sérgio Moro.
O delator pedia, nas conversas com os três, que o inquérito permanecesse no STF.
Segundoadelegada,otipo penal da obstrução à Justiça “sofre duras críticas da doutrina, por ser extremamente aberto, gerando insegurança e perplexidade ao intérprete. A dificuldade se soma ainda ao limiar da definição do que seria a ‘criminalização da política’ e a atividade parlamentar livre e imune”.
A delegada disse que, ao longo da investigação, “com uma nova oportunidade de esclarecimento por parte do colaborador e apresentação da versão dos interlocutores das gravações, bem como análise da atuação parlamentar dos investigados, não conseguimos vislumbrar a concretização dos núcleos do crime ‘obstrução à justiça’”.
Citado nas conversas como possível meio de acesso a Teori, o advogado Eduardo Ferrão disse que a relação com o ele era “muito cordial e respeitosa” e “nunca trataram de assuntos da atividade profissional do depoente fora do gabinete dele, tendo havido sempre muito cuidado na separação entre a relação de amizade e o exercício da advocacia”.
Outro citado, o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Cesar Asfor Rocha confirmou sua amizade com Teori, mas “nunca teria comentado sobre tal proximidade com os investigados, negando ter recebido qualquer tipo de solicitação de favor ou acesso ao falecido ministro”.