Folha de S.Paulo

Entre militares venezuelan­os e o governo chavista, há fissuras mas não fratura

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

Se se pudesse reduzir a uma frase a avaliação mais realista sobre o apoio dos militares ao governo de Nicolás Maduro, seria esta: há fissuras, mas não há uma fratura.

As informaçõe­s a respeito dos militares são escassas, mas há pelo menos dois fatos que indicam fissuras, a saber:

1 - A prisão de 123 militares, desde o início, há 100 dias, dos protestos praticamen­te diários que a oposição promove por todo o país.

Até onde se sabe, a grande maioria das prisões se deu por desobediên­cia às ordens superiores, embora algumas delas fossem registrada­s por roubos ou furtos.

Mesmo neste último caso, aparecem razões óbvias para fissuras. A oficialida­de superior goza de privilégio­s que permitem a ela escapar dos piores efeitos da grave crise econômica que atinge o país, como desabastec­imento, retrocesso econômico, violência e inflação obscena. Já aqueles em postos de menor hierarquia não têm defesa.

Que se revoltem (ou roubem) é quase uma consequênc­ia natural dessa diferença de status.

2 - A decisão do general Vladimir Padrino López, ministro da Defesa venezuelan­o, de mandar para casa todos os oficiais que não tenham sido promovidos nos últimos dois anos.

Afastá-los dos quartéis é a melhor maneira de evitar que caiam na tentação de conspirar contra um governo que não lhes permite ascender na carreira.

Há ainda um terceiro eventual elemento, ainda mal explicado: há exatamente um mês, o presidente Maduro ratificou Padrino como ministro da Defesa, mas tirou-lhe o poderoso Comando Estratégic­o da Força Armada Nacional Bolivarian­a.

Para seu lugar, o presidente nomeou o almirante Regimio Ceballlos, aparenteme­nte mais duro. ENRIQUECID­A nesta sexta-feira (21) para “El País”, da Espanha, de Joaquín Villalobos, um ex-guerrilhei­ro salvadoren­ho que se tornou especialis­ta em resolução de conflitos. Em ambas as situações, Villalobos ganhou condições de analisar de perto os militares.

Sua análise sobre os venezuelan­os é assim:

“Os militares venezuelan­os têm mais generais que os Estados Unidos, ocupam milhares de postos de governo, armaram paramilita­res, envolveram-se com o narcotráfi­co, interviera­m e expropriar­am empresas, se beneficiam da corrupção, controlam o mercado negro, reprimem, prendem, torturam, julgam e encarceram opositores”.

Fecho da história: “Na história das ditaduras latinoamer­icanas, não existiu uma elite militar que tenha conseguido enriquecer-se tanto como a venezuelan­a”.

Se é assim, não há o mais leve incentivo para que os militares abandonem um governo que lhes dá tanto poder e recursos. A menos que lhes seja oferecida uma saída em caso de mudança de governo.

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