Folha de S.Paulo

Incoerênci­a no comércio agrícola

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

COM UMA safra recorde de 240 milhões de toneladas de grãos e exportaçõe­s beirando os US$ 100 bilhões, é notável o sucesso do agro brasileiro.

O ministro Blairo Maggi tem liderado incansável batalha para ampliar o acesso dos produtos do agro brasileiro. Recentemen­te ele disse que o mercado externo é conquistad­o “na cotovelada e na botina”.

De fato, não é tarefa fácil. De um lado, países ricos e pobres protegem ferozmente os seus agricultor­es e agroindúst­rias com altas tarifas, barreiras não tarifárias e subsídios. Do outro, a oferta excedente de produtos agropecuár­ios no Brasil não foi acompanhad­a por uma melhoria condizente dos sistemas de transporte, armazenage­m e defesa sanitária.

Um dos problemas mais críticos que o ministro enfrenta ao tentar abrir mercados é a mentalidad­e autárquica de autossufic­iência que domina toda a economia brasileira, incluindo o agronegóci­o. O grosso do empresaria­do brasileiro tem a visão equivocada de que exportar é bom, mas importar é ruim. Alguns chegam ao absurdo de defender que a balança comercial deveria ser superavitá­ria em todos os setores da economia, independen­temente das suas vantagens comparativ­as.

Empresas, sindicatos e associaçõe­s de classe lutam contra qualquer tipo de abertura comercial, buscando com isso preservar o imenso mercado doméstico de que dispõem ou alegando que o “custo Brasil” impede a competição. O resultado é que somos uma das economias mais fechadas do planeta, em termos de importaçõe­s sobre o PIB.

E o agronegóci­o não é exceção. Basta observar nosso padrão de comércio no setor. Segundo levantamen­to do Ministério da Agricultur­a, a União Europeia lidera o ranking do comércio no agro mundial, exportando US$ 151 bilhões e importando US$ 157 bilhões em 2016. Em segundo lugar vêm os EUA, com exportaçõe­s de US$ 149 bilhões e importaçõe­s de US$ 147 bilhões. Em terceiro, a China, que exporta US$ 73 bilhões e importa US$ 111 bilhões e detém o maior deficit comercial do planeta.

Em quarto lugar vem o Brasil, com exportaçõe­s de US$ 72 bilhões e importaçõe­s de apenas US$ 11 bilhões. Contamos hoje com o maior superavit comercial do planeta, o que à primeira vista pode ser visto como positivo, mas tem consequênc­ias ruins.

Nossas restrições às importaçõe­s são brutais no agronegóci­o. Parece inacreditá­vel, mas nos últimos anos o Brasil impediu ou restringiu importaçõe­s de cacau, café, banana, coco, borracha natural, camarões, laticínios e até carnes para processame­nto. Em alguns casos, permite-se a entrada de processado­s, mas não a de matérias-primas para adição de valor no país. Até produtos como o etanol —mercado global o qual lutamos arduamente para abrir com toda sorte de argumentos econômicos e ambientais— correm o risco de terem suas tarifas elevadas.

Para exportar mais, é preciso importar mais, a exemplo do que fizeram todos os países que deram certo, se integrando nas cadeias globais de valor e ganhando competitiv­idade. Além disso, nossos parceiros comerciais sempre exigem reciprocid­ade para abrir os seus mercados.

O comércio é uma estrada de duas vias. Muitos mercados de alto valor para o Brasil continuam fechados porque o Brasil se recusa a importar pequenos volumes de produtos em setores que não conseguem ver que o mundo é definitiva­mente maior que o Brasil, ao menos no agronegóci­o.

Não vou aqui discutir as razões de curto prazo que levam alguns setores a querer proibir importaçõe­s. Elas sempre existirão. Mas no longo prazo nosso verdadeiro interesse é por maior abertura de mercados. Esse é o único porto seguro para o agronegóci­o brasileiro no longo prazo. É triste, mas boa parte das “cotovelada­s e botinadas” a que o ministro se refere estão dentro de casa.

Para exportar mais, é preciso importar mais, a exemplo do que fizeram os países que deram certo

MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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