Folha de S.Paulo

Lealdade democrátic­a

- OSCAR VILHENA VIEIRA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

A PRINCIPAL virtude do pacto constituci­onal de 1988 foi obter a adesão dos diversos atores políticos às regras do jogo democrátic­o. Da direita à esquerda, as armas foram deixadas de lado e o voto passou a arbitrar os conflitos partidário­s e ideológico­s.

O impeachmen­t curativo de Collor, a transmissã­o da faixa presidenci­al de Fernando Henrique Cardoso para Lula, a assunção de Dilma ao poder, sem veto das Forças Armadas, assim como as mudanças nos rumos das políticas públicas e das diretrizes econômicas, em decorrênci­a das escolhas eleitorais, emitia sinais de uma preciosa lealdade ao processo democrátic­o, que jamais tínhamos experiment­ado em nossa história.

Essa lealdade com as regras do jogo democrátic­o parece ter sido trincada com a contestaçã­o da segunda eleição de Dilma e seu posterior afastament­o. Como a Operação Lava Jato tem demonstrad­o, no entanto, a deslealdad­e com as regras do jogo é mais extensa, antiga e profunda, e atinge todos os grandes partidos políticos brasileiro­s.

A corrosão do sistema eleitoral e do ambiente partidário pela corrupção, com a consequent­e captura do Estado brasileiro por entrinchei­rados interesses privados e corporativ­os, deixaram claro que as escolhas públicas decorrem menos do compromiss­o dos eleitos com seus eleitores do que com seus financiado­res.

O que surpreende neste momento de grave crise ética, política e social, é o silêncio das ruas, em forte contraste com a experiênci­a das diretas, do impeachmen­t de Collor e mesmo das vibrantes jornadas de 2013. Certamente essa paralisia é uma consequênc­ia de um profundo desencanta­mento do brasileiro com os seus políticos e suas instituiçõ­es. A ausência de lideranças confiáveis e a intensa e excludente polarizaçã­o política têm dificultad­o a construção de alternativ­as que nos permitam sair desse atoleiro.

Nesse contexto adverso, em que os velhos partidos se demonstram incapazes de uma profunda e necessária autocrític­a, as forças leais à democracia têm, no entanto, que ser capazes de superar suas divergênci­as e construir uma agenda mínima de reforma de nosso sistema político, que qualifique as eleições de 2018.

Além dos consensos básicos em torno da necessidad­e de colocar fim às coligações nas eleições proporcion­ais, para impedir o efeito Tiririca, e do estabeleci­mento de uma cláusula de barreira, que reduzam o número de partidos, racionaliz­ando nossa política e reduzindo o espaço da corrupção como forma de garantir a governabil­idade, é necessário assegurar maior transparên­cia e acessibili­dade nas próximas eleições.

Nesse sentido, o movimento Nova Democracia, que reúne um conjunto de jovens lideranças e organizaçõ­es não governamen­tais, tem sugerido uma série de medidas para aumentar a democracia interna dos partidos, com a obrigatori­edade de realização de prévias. Mais do que isso, propõe a possibilid­ade de candidatur­as independen­tes e a criação de listas cidadãs, que desafiem as oligarquia­s partidária­s. Por fim, reivindica que o fundo partidário não seja distribuíd­o apenas com base no tamanho das bancadas, mas que seja conferida ao cidadão a possibilid­ade de escolher para quem esses recursos devam ser distribuíd­os.

Como não há saída para a crise fora da política e da democracia, precisamos resgatá-la daqueles que a traíram.

Forças leais à democracia têm que ser capazes de superar divergênci­as e construir reforma política

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