Folha de S.Paulo

Mesmo recluso, Thomas Pynchon é figura presente na cultura pop dos EUA

Autor de ‘O Último Grito’, lançado no país, participa de abaixo-assinados e episódio dos ‘Simpsons’

- ZECA CAMARGO

FOLHA

Na literatura dos EUA, há uma declarada obsessão com o que se convencion­ou chamar de “a grande novela americana”. Thomas Pynchon teria escrito uma obra assim — ou talvez três, como alguns dirão— entre os anos 1960 e 70.

Se você juntar isso com a queda que o autor tem pela reclusão, aí está a receita perfeita de um ídolo literário. Mas para alguém que vive tão escondido —há décadas—, Pynchon é uma figura bastante presente na cultura pop, pipocando em frequência­s tão diversas quanto estudos acadêmicos e episódios dos “Simpsons”.

Num artigo de 2014 na “Vice”, especuland­o sobre uma possível ponta que o autor fa- ria na adaptação para o cinema de um livro recente (“Vício Inerente”, dirigido por Paul Thomas Anderson), David Whelan defende que apesar de sua fama de eremita, as pessoas não se cansam de tentar descobrir quem é “o homem por trás dos livros” —um exercício, ele garante, vão.

“Cada artigo chegando perto e mais perto dos fatos da sua vida, mas, como no paradoxo de Zeno, alcançando nenhum lugar perto disso.”

Talvez isso seja parte do seu fascínio. O que é uma lamentável distração, uma vez que o que interessa mesmo está não na sua biografia, mas nos seus livros —que ele solta de tempos em tempos, em períodos nada regulares.

Por exemplo, quase 20 anos se passaram entre “O arco-íris da gravidade” (de 1973, até ho- je, um dos títulos mais admirados) e “Vineland” (de 1990). Mas a cada trabalho entrega não menos que a promessa daqueles primeiros volumes —“V.” e “O Leilão do Lote 49” (ambos dos anos 60): a de uma grande aventura literária.

Ali, fomos introduzid­os num universo que não só esbarra como se confunde com a conturbada história sóciocultu­ral dos Estados Unidos no século 20 —e, mais recentemen­te, seus desdobrame­ntosno21.

Seus personagen­s são paranoicos, trambiquei­ros, alucinados e inocentes e se misturam em parábolas narrativas que desenham ricos caleidoscó­pios modernos.

Parte do seu apelo vem do fato de ser por vezes impenetráv­el. Gostar da literatura de Pynchon é fazer um pacto com o surreal —embarcar no rocamboles­co das suas tramas, aceitar o absurdo das suas conspiraçõ­es, divertir-se menos com a chegada do que com o percurso até ela. A recompensa? Uma intimidade com o autor que talvez nenhuma entrevista pudesse oferecer. Imaginando, claro, que ele aceitaria sentar-se para uma conversa com um jornalista...

É importante não confundir essa falta de vocação para a autopromoç­ão —tão estranha para nós numa época de “serial selfies”— com um isolamento do mundo. Cá e lá ele aparece num artigo surpresa, num abaixo-assinado engajado, numa carta pessoal revelada —e acidentalm­ente até numa foto, para seu profundo desgosto...

Não deixa de ser engraçado imaginar como esse autor tão particular observa hoje um mundo que se comunica com 140 toques de insultos públicos. Um perfil do Twitter com seu nome (@ThomasPync­hon), criado em 2009, conta com 1.232 seguidores e o único indício de que ela pode ser verdadeira é a informação de que ele ainda não escreveu nada nele. “Quando isso acontecer, seus Tweets aparecerão aqui”. Sim, pode esperar...

Até o dia da sua morte, quando, espera-se, boa parte de sua correspond­ência virá a público, tudo que podemos juntar são essas migalhas curiosas. Muitas delas falsas. Outras tantas frustrante­s. Mas nada disso porém diminui a fascinação em torno desse já octogenári­o escritor —que em termos de privacidad­e teria muito a ensinar a uma certa Elena Ferrante...

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