Folha de S.Paulo

BORGES BABILÔNICO

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O título “Borges Babilônico -Uma Enciclopéd­ia”, do livro organizado por Jorge Schwartz que chega agora às prateleira­s, não podia ser mais apropriado.

Quem se aproxima da obra do escritor argentino terá a sensação de estar diante de um grande monumento. Lêlo, em resumo, é como percorrer labiríntic­os corredores.

A imagem não se deve apenas à vastíssima cultura enciclopéd­ica de Borges —com referência­s à filosofia, à teologia, aos mitos e literatura­s orientais e ocidentais—, mas também à forma como ele usou tal saber para construir grandes abstrações do pensamento.

Jorge Schwartz apresenta, então, um mapa do labirinto. Com colaborado­res como Alberto Manguel, Beatriz Sarlo e Leyla Perrone-Moisés, entre outros, a obra traz verbetes sobre o universo do autor.

O volume, conta Schwartz, começou a ser feito há 20 anos —como um exercício com alunos de graduação, para ser um pequeno guia. A ideia é interessar tanto o especialis­ta, que deseja respostas específica­s para suas dúvidas, quanto estimular o leitorleig­oalerBorge­s.

“A curiosidad­e de qualquer leitor pode fazer do verbete um final em si mesmo, ou um instrument­o de análise. Há uma vasta bibliograf­ia final, dos livros consultado­s pelos verbetista­s, a qual sem dúvida ajudará o especialis­ta”, diz Schwartz.

Não é só por explorar o universo do argentino que o livro é borgiano.

O autor era um grande leitor de dicionário­s e enciclopéd­ias —que ele lia horizontal­mente, não como instrument­o de consulta.

“Ninguém deu o status de literatura às enciclopéd­ias e dicionário­s como Borges”, afirma Schwartz.

Além disso, em textos clássicos, Borges associava a experiênci­a do homem na biblioteca a uma experiênci­a com o infinito —e a questão da organizaçã­o desse vasto mundo também estava presente.

“Nada substitui o prazer da leitura de contos clássicos como ‘A biblioteca de Babel’, ou ‘Tlön, Uqbar, Orbis Tertius’, [no livro ‘Ficções’] em que a biblioteca tem protagonis­mo fundamenta­l”, afirma Schwartz.

Para o crítico, a horizontal­idade da enciclopéd­ia tradiciona­l faz ela vencer a Wikipédia, ao aproximar aleatoriam­ente, por exemplo, o verbete “enciclopéd­ia” a “En Soph”, a pura essência de Deus segundo os cabalistas. FICÇÃO E TEORIA Schwartz lembra que o chamado “boom” da literatura americana, nos anos 1960, não existiria sem a literatura de Borges.

“É uma verdadeira revolução no campo da escrita, em que se fundem ficção, crítica e teorias literárias. Borges deu uma dimensão universal à literatura argentina, que pecava por excesso de nacionalis­mo e de cor local”, diz.

O organizado­r do volume lembra dos encontros com Borges quando o autor veio ao Brasil, em 1984. Na ocasião, ele deu uma palestra no estacionam­ento da sede da Folha, em São Paulo —mas o barulho das rotativas tornava difícil ouvi-lo, afirma Schwartz.

“Aos 84, sua imagem impunha a visão de um profeta cego, um Tirésias argentino.” ORGANIZAÇíO Jorge Schwartz EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 109,90 (576 págs.)

“verdadeira revolução no campo da escrita, em que se fundem ficção, crítica e teorias literárias. Ele deu uma dimensão universal à literatura argentina, que pecava por excesso de nacionalis­mo e de cor local

JORGE SCHWARTZ

crítico literário

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