Folha de S.Paulo

‘Ozark’ tenta reviver ‘Breaking Bad’

-

EM VÁRIOS momentos de “Ozark”, série que a Netflix estreou na sexta (21), o protagonis­ta Marty Byrde (Jason Bateman) observa atentament­e os urubus que sobrevoam o lago e os bosques da empobrecid­a região de Ozark, miolo dos EUA. Ele está intrigado com a razão de os bichos serem atraídos até a casa para onde se mudou com a família, fugindo de Chicago.

Não há nada revelador aí, mas os urubus, que ilustram ainda o pôster da produção da qual o próprio Bateman é diretor, são providenci­ais como símbolo deste drama policial em dez episódios que mantém o espectador à espera, ainda que os desenlaces pareçam não chegar.

Assim como as aves, que se alimentam de bichos maiores mortos, “Ozark” parece tirar suas forças da carcaça de outras séries marcantes.

Vejamos: Marty, o personagem de Bateman, é um pai de família e consultor financeiro cuja vida du- pla inclui lavar dinheiro para narcotrafi­cantes. É uma espécie de Walter White engomadinh­o, mas sem toda a jornada de corrupção do caráter pela qual passa o protagonis­ta de “Breaking Bad”, genialment­e encarnado por Bryan Cranston.

Sua mulher, Wendy (a fantástica Laura Linney), o traiu, está infeliz com o casamento e ainda assim resolve auxiliá-lo na empreitada ilegal —como a Skyler de “Breaking Bad”. Os filhos são uma adolescent­e chatíssima (Sofia Hublitz) sempre metida em enrascadas, como a Kim Bauer de “24 Horas”, e um moleque curioso (Skylar Gaertner) que parece saído de “Stranger Things”.

As longas cenas de Marty no lago lembram “Bloodline”. A moça que comanda uma pousada local emula a personagem de Ruth Wilson em “The Affair”. E o bando de caipiras com poucos escrúpulos que habita Ozark poderia ter saído de qualquer temporada de “Fargo”. Ah. Como em “Narcos”, a corrida de gato e rato envolve um cartel.

A trama também é antiga: família urbana de classe média tenta realocar-se entre caipiras enquanto esconde um segredo tenebroso.

Os Byrde fogem de Chicago porque Marty tem uma dívida milionária com os patrões bandidos, e a forma que ele oferece para quitá-la é lavar US$ 8 milhões em três meses na terra de ninguém. Conforme se mistura com a fauna local para executar a tarefa, porém, eles se descobrem pouco talhados para o crime.

Bateman, que fez um excelente trabalho na comédia “Arrested Developmen­t”, aqui repete o protagonis­ta-escada. Mas se na comédia ele era um contrapont­o saudavelme­nte sóbrio para os coadjuvant­es

Suspense da Netflix com Jason Bateman e Laura Linney cativa ao reciclar séries bem-sucedidas

geniais e amalucados à sua volta, aqui ele apenas desaparece entre Linney (“The Big C”) e a jovem Julia Garner, ótima como a adolescent­e que chefia sua família bandida.

Aos poucos, os Byrde também se dissipam entre tantos personagen­s, esmaecidos na persistent­e fotografia de cores frias (talvez para distinguir do laranja de “Breaking Bad”).

A habilidade dos criadores Bill Dubuque e Mark Williams —e, não desprezemo­s, do algoritmo da Netflix— garantem que, como os urubus, os espectador­es continuam voltando. Mesmo que pelas carcaças. “Ozark”

 ??  ?? Laura Linney e Jason Bateman como o casal Wendy e Marty Byrde
Laura Linney e Jason Bateman como o casal Wendy e Marty Byrde

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil