Folha de S.Paulo

À porta da boate

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RIO DE JANEIRO - Em abril último, ao passar por Ipanema, vi que levantavam na areia um palco digno de um circo romano. Ali haveria, por aqueles dias, um show de Jorge Ben Jor. Gostei. Era um grande artista cantando para sua cidade e no cenário perfeito para seu repertório. Deve ter sido uma noite e tanto.

E um vibrante contrapont­o a outra noite, esta de 1962, quando ele ainda se chamava Jorge Ben, tinha 22 anos e esperara com seu violão à porta da boate Drink, no Leme, pela saída de um cantor e compositor que admirava e a quem queria oferecer suas músicas: Orlann Divo. Este, aos 26, era a nova sensação da cidade, com “Samba Toff”, “Samba Blim”, “Sambadinho”, sambas cheios de onomatopei­as, ritmo e nonsense.

Divo convidou Jorge a entrar. Ouviu o que ele tinha —“Mas Que Nada”, “Chove Chuva”, “Por Causa de Você, Menina”— e gostou. Eram parecidos com o que ele fazia e ficariam bem em seu estilo. Mas então Di- vo se lembrou de outra noite, pouco antes, em que ele também esperara na porta daquela mesma boate para mostrar suas músicas a um cantor: Miltinho. E Miltinho lhe dissera que ele deveria ser o seu próprio cantor.

Divo disse o mesmo a Jorge e com as mesmas palavras. O garoto agradeceu. Tornou-se crooner de um conjunto, foi descoberto por Armando Pittiglian­i, da Philips, e se tornou Jorge Ben, depois Ben Jor.

O futuro reservou um nicho bem mais modesto a Orlann Divo. A noite em que ele reinava acabou. Os três ótimos LPs que gravou nos anos 60 desaparece­ram e, até o fim, ele só lançaria mais dois. Já não tinha fãs, só amigos. Morreu em fevereiro último, aos 79 anos, sem esperar pela homenagem que o produtor Marcelo Fróes lhe prometeu e só agora pôde cumprir: uma caixa de CDs pelo selo Discoberta­s, “Bossa, Samba e Balanço”, com aqueles três primeiros discos. Jorge Ben Jor adorará ouvir. PABLO ORTELLADO ANDRÉ SINGER

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