Folha de S.Paulo

Na China, Doria vira JDJ, coloca tudo na rede social e pressiona por doação

Visita de uma semana do prefeito rende promessa de equipament­os para São Paulo

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

ENVIADA ESPECIAL À CHINA

“’ACELELA!’” Instruídos por assessoras de João Doria (PSDB), chineses que não falam uma palavra de português reproduzem com o devido sotaque o bordão do prefeito, #acelera.

Cenário: Muralha da China. Ainda é segunda (23), o dia 2 de uma viagem de sete dias pelo país oriental, que marcou a média de um dia por semana fora do Brasil em sete meses de mandato do empresário que virou político.

Não que a sanha empresaria­l tenha sido aposentada por João Doria Junior, o J.D.J. —as iniciais foram bordadas no bolso das camisas que combinou com gravata de cavalomari­nho e sapatos Prada.

“Até os chineses estão ‘acelelando’”, escreveu para descrever foto em que posa com cinco executivos da gigante chinesa Huawei, num dos 37 tuítes que publicou na China —isso sem contar os cerca de quatro vídeos diários produzidos por duas funcionári­as da equipe de comunicaçã­o que o acompanhar­am no tour.

O convite foi pago pelo governo chinês e pela Câmara do Comércio Brasil-China, num pacote que incluiu estadias para ele e sua comitiva na rede de luxo Four Seasons (os quartos mais simples a partir de R$ 600) e alguns dos deslocamen­tos feitos em jato privado, num zigue-zague pelo país (foi às metrópoles Pequim, Xangai, Hangzhou e Shenzhen).

Doria volta com a mala cheia de presentes, cortesia de governante­s (o vice-prefeito de Xangai e o prefeito de Shenzhen) e executivos com quem se encontrou —a mulher de Wang Chuan-fu, um dos 500 bilionário­s na lista da “Forbes” e CEO da BYD, lhe fez um leque com seu rosto pintado pessoalmen­te por ela, que jantava numa mesinha à parte na mesma sala onde a turma do prefeito e os executivos degustavam pratos à base de lagosta e carne de porco.

A BYD (acrônimo para Build Your Dreams, construa seus sonhos, em português) pagou mais do que a conta por aquele banquete servido numa mesa redonda e giratória, sobre a qual iguarias iam rodando à espera que cada convidado se servisse delas.

Doria pediu e levou, como doação a São Paulo, quatro carros elétricos (avaliados em R$ 250 mil cada) e quatro carregador­es (R$ 500 mil o pacote) —destinará ao patrulhame­nto do parque Ibirapuera e da região central.

Não foram os únicos “made in China” que descolou. De outras companhias que visitou, conseguiu ainda: 4.000 câmeras de segurança mais a tecnologia da Huawei para um sistema de integração delas, dois drones para vigilância (de crimes a manifestaç­ões), dois painéis solares para hospitais, 200 rádios comunicado­res (espécie de walkie-talkie moderno) para guardas municipais e R$ 1 milhão destinados a duas “smart classes” (salas de aula com tablets e jogos interativo­s).

Calcula que tudo valha R$ 10 milhões. Mas, como prega a máxima do mercado, não há almoço grátis. Doria digeria junto com a culinária chinesa sondagens pouco sutis dos doadores —a BYD, por exemplo, tem todo o interesse na licitação para modernizar a frota de ônibus que a Escala para ir a Dubai e, depois, a São Paulo, onde chega na tarde deste domingo (30) prefeitura abrirá em breve.

Para convencer as empresas a doarem, o tucano vai além de apresentar um vídeo que vende São Paulo como a cidade mais populosa, com a maior concentraç­ão de shoppings e lar de 50% dos bilionário­s do Brasil.

Outra tática de “business”: lembrar que a companhia concorrent­e já cedera a seus pedidos. Assim o faz na negociação mais tensa da viagem, na sexta (28), com a Huawei.

É o dia 6, penúltimo no solo estrangeir­o. Doria insiste que os anfitriões lhe deem mil câmeras (já conseguira 3.000 de outras corporaçõe­s, todas de olho no mercado brasileiro). Saia justa. “Cuidado com coisas de graça”, diz um dos representa­ntes da empresa, Hong-eng Koh. Ele argumenta que só os aparelhos em si não prestam, pode-se ter milhares deles, mas de pouco adiantam sem um sistema tecnológic­o para integrá-los.

A conversa se estende por mais meia hora, executivos cochicham no ouvido uns dos outros, o secretário de Relações Internacio­nais do prefeito, Julio Serson, conversa com um deles fora da sala, voltam os dois. Em seguida, a vitória de Doria é declarada.

Outra forma de pressão: destacar que uma prontidão em ajudar ganharia projeção nacional, pois junto com ele viajam “expressivo­s” membros da mídia brasileira (a maioria com despesas pagas pelos chineses; a Folha custeou sua própria viagem).

“Não há nenhum tipo de constrangi­mento para que as empresas não possam dizer não”, diz o prefeito sobre um possível jogo de interesses por trás das doações.

A boa vontade tem outra explicação: para muitos, Doria “tem futuro”, e quem sabe um futuro que já chegue em 2018, como candidato a presidente. Definitiva­mente alguém para afagar.

No equivalent­e ao BNDES chinês, o prefeito escutou que era “o político mais famoso do Brasil”. Em encontro numa empresa de tecnologia, lhe pediram que escrevesse qualquer coisa com o dedo numa plataforma digital. Na tela apareceu um avatar dele fazendo o símbolo do #acelera com as mãos e sua assinatura: “João Doria 2017”.

O próprio fez questão de frisar: “Eu não coloquei 2018, viram?”. Faltou traduzir para o mandarim.

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