Folha de S.Paulo

MAYARA QUERIA VOAR

Jovem violonista de MS sonhava em ser concertist­a e ganhar o mundo; foi assassinad­a a marteladas e teve o corpo queimado pelo namorado, que confessou o crime, de acordo com a polícia

- SILVIA FARIAS COLABORAÇíO PARA A

EM CAMPO GRANDE

Caçula de quatro irmãos, Mayara Amaral, 27, herdou a paixão pela música do pai, Alziro, servidor público aposentado e tocador de violão. Formou-se em música pela Universida­de Federal de Mato Grosso do Sul e fez mestrado na Federal de Goiás.

Em Campo Grande, chegou a participar de uma banda com levada pop chamada Pétalas de Pixe. Trabalhava como professora de violão para crianças. Os amigos destacam a timidez e o dom musical.

“Era um talento vigoroso, genial”, lembra o professor Marcelo Fernandes, que a orientou na graduação. “Era uma em milhões”. Para ele, Mayara tinha potencial para tornarse uma das violonista­s mais importante­s da nova geração. “Ela queria ser concertist­a. É uma porta muito estreita, mas o mundo estava se abrindo.”

A prima Lucila Martins define a melhor amiga: “Era uma eterna menina, meiga, queria voar, conhecer o mundo.”

No almoço com a família neste domingo (30) a musicista iria contar uma novidade: havia sido aprovada para um doutorado em uma universida­de de São Paulo.

Não deu tempo. Dias antes a talentosa jovem foi assassinad­a. Nesta semana, a polícia de MS prendeu em Campo Grande três suspeitos de terem matado Mayara a marteladas. O corpo dela foi encontrado queimado num matagal na rodovia MS-080, região conhecida como Inferninho.

Segundo a Polícia Civil, os três homens presos vão responder por latrocínio e ocultação de cadáver .

Mas a irmã da jovem, a jornalista Pauliane Amaral, 31, contesta alguns pontos da versão do único suspeito que confessou o crime, e acredita que ela tenha sido vítima de estupro e feminicídi­o —quando a motivação do assassinat­o de uma mulher está ligada ao fato de ela ser mulher.

“É uma dor imensa, inexplicáv­el, inesquecív­el, uma dor que vou levar no meu peito”, disse a irmã da vítima, por telefone, da Bélgica, para onde se mudou há um mês para estudar francês. “Não estou dormindo, é muita angústia. A gente tem medo de fechar os olhos e começar a repassar toda essa história cruel, toda essa brutalidad­e na cabeça.”

O caso começou na segunda (24), quando Mayara saiu da casa que dividia com amigas para ensaiar. No dia seguinte, sem receber notícias da filha, a mãe, Ilda, procurou uma das colega da musicista, que falou sobre uma possível ameaça de um ex-namorado.

Ilda foi à polícia registrar o desapareci­mento e recebeu uma mensagem enviada do celular de Mayara. “Ele [o ex] é louco, mãe. Está me perseguind­o. Estava na casa dele e brigamos feio”. Depois disso, o aparelho foi desligado —a mensagem foi enviada depois que o corpo queimado já havia sido encontrado.

Quando Pauliane foi avisada do desapareci­mento, o pai já estava no IML para fazer o reconhecim­ento do corpo. “Só tinha sobrado uma parte da mão e um pouco do pé para ele reconhecer, mas já tinha quase certeza que era ela”, contou a irmã. A confirmaçã­o veio com um exame de DNA.

MARCELO FERNANDES

ex-professor de Mayara Amaral, 27

PAULIANE AMARAL, 31,

irmã de Mayara

Os suspeitos foram identifica­dos pela Polícia Civil na quarta (25). De acordo com delegado Tiago dos Santos, o ex-namorado foi descartado no início das investigaç­ões.

Por meio de rastreador do celular e informaçõe­s de familiares e amigas, a polícia chegou até o baterista Luiz Alberto Barros, 29, com quem Mayara tinha um relacionam­ento.

Na casa dele, os policiais encontrara­m roupas da vítima, instrument­os musicais, computador pessoal, telefone e os documentos dela. O rapaz confessou o crime e disse que teve dois cúmplices: Ronaldo Olmedo, 33, e Anderson Pereira, 31. Os dois negaram qualquer participaç­ão.

À polícia, Barros disse que atraiu Mayara para um motel. O encontro era uma emboscada para roubar o carro dela, um Gol 1992. Ainda na versão do namorado, Ronaldo entrou no motel no portamalas, com conhecimen­to dela, e os três teriam mantido relações sexuais. Ao perceber a emboscada, Mayara teria tentado fugir, mas foi espancada até a morte.

O corpo foi colocado no veículo e levado à casa do terceiro suspeito. Lá, eles enterraram o cadáver no quintal, mas depois o levaram para a rodovia. Em seguida, provocaram o incêndio no matagal para dificultar a identifica­ção.

Pauliane contesta a versão do sexo a três consensual. “Eu não descarto a possibilid­ade de ela ter ido com o Luís para o motel, já tinha ouvido alguma coisa de estarem numa relação afetiva”. Porém, rechaça que a irmã tenha consentido a participaç­ão de outro.

“Eles armaram uma emboscada, um deles entrou escondido no motel, levaram martelo. Que sexo consensual é esse? Se trata de estupro.”

A família aguarda a conclusão do laudo pericial para confirmar essa hipótese.

O delegado diz que o estupro ainda não está descartado e pode ser incluído no relatório final da polícia. Por enquanto, segundo ele, a investigaç­ão aponta para latrocínio. “Estão cogitando feminicídi­o. É plausível? É, mas, no momento, não. Vai depender da comprovaçã­o do laudo e do relatório final.”

As penas previstas para latrocínio variam de 20 a 30 anos, enquanto as do feminicídi­o, de 12 a 30 anos.

Em audiência diante do juiz, que manteve a prisão dos suspeitos, Barros disse que sofreu maus-tratos da polícia. A Folha não conseguiu contato com seu advogado. Olmedo e Pereira ainda não tinham constituíd­o defesa até a conclusão desta edição.

Distante da família, a irmã recebe apoio por telefone e mensagens nas redes sociais. Seu desabafo, no qual reforça que a tese de que a irmã foi vítima de estupro e feminicídi­o, teve 1.900 comentário­s e 12,4 mil compartilh­amentos.

“Ao mesmo tempo que é muita dor, é muito amor”. Uma manifestaç­ão está prevista para a próxima semana, em homenagem à musicista.

Numa rede social, a foto principal de Pauliane é a irmã no quintal de casa, segurando o violão. “Aquela foto representa muito ela, o olhar tímido, sereno”. Após a confirmaçã­o da morte, diz, “rezei pela alma dela e joguei flores no rio, como forma de despedida da minha irmã.”

Ela queria ser concertist­a. É uma porta muito estreita, mas o mundo estava se abrindo “

Eles armaram uma emboscada, um deles entrou escondido no motel, levaram martelo. Que sexo consensual é esse? A gente tem medo de fechar os olhos e repassar toda essa história cruel, toda essa brutalidad­e na cabeça

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Fotos Reprodução/Facebook Mayara Amaral, 27, que foi assassinad­a em Campo Grande

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