Folha de S.Paulo

Suicídios na família podem ter componente­s genéticos

Especialis­tas buscam respostas nos genes estudando mortes de irmãos

- REINALDO JOSÉ LOPES

Relação entre decisão de tirar a própria vida e a hereditari­edade, porém, é indireta, e há outros fatores em jogo FOLHA

Suicídios recorrente­s na mesma família —como os do presidente Getúlio Vargas, de seu filho Manuel Antônio e, recentemen­te, de seu neto, também Getúlio— podem ser influencia­dos por um componente genético, dizem especialis­tas.

A relação entre esse aspecto hereditári­o e a decisão de pôr fim à própria vida, porém, é indireta, complicada e difícil de esmiuçar, sem nenhuma semelhança com uma suposta “maldição no DNA”.

“Quando você olha de perto a questão, ela é sempre multifator­ial”, adverte o psiquiatra Carlos Cais, que é professor colaborado­r do departamen­to de psicologia médica e psiquiatri­a da Unicamp.

“Por mais sedutor que seja encontrar culpados, eles não existem”, concorda Maila de Castro Neves, professora do Departamen­to de Saúde Mental da UFMG.

“É como a queda de um avião: em geral, ele cai por uma sequência de problemas. Essa coisa de dizer que o sujeito perdeu o emprego e por isso se matou, ou se matou porque estava com depressão, nunca conta a história toda”, compara Cais.

Cerca de 90% dos casos de suicídio estão associados a algum tipo de transtorno mental, e é por essa via que os pesquisado­res tentam elucidar a associação entre o ato e determinad­as predisposi­ções genéticas.

Em tais casos, a ideia é que variantes de determinad­os genes produzem problemas mentais e, de forma indireta, os sintomas desses problemas é que deixariam seus portadores mais vulnerávei­s a ideias suicidas.

A importânci­a desse fator, porém, varia muito com o tipo de transtorno mental. Segundo Cais, o transtorno bipolar, seguido da esquizofre­nia, parecem ter peso relativame­nte bem estabeleci­do no aparecimen­to de comportame­ntos suicidas. “Depois disso, os demais transtorno­s possuem uma força de evidência muito menor”, diz.

Outra possível via pela qual os comportame­ntos suicidas se manifestam é a da impulsivid­ade e agressivid­ade mais elevadas, que não podem ser classifica­das propriamen­te como doenças mentais, explica o psiquiatra.

Os métodos usados para investigar o tema do ponto de vista genético são, inicialmen­te, os que envolvem a comparação controlada de membros da mesma família.

O ideal seria estudar gêmeos idênticos separados no nascimento —cada um adotado por uma família diferente, por exemplo. Numa situação como essa, embora os irmãos TAXA GLOBAL (dados de 2015) 10,7 casos por 100 mil habitantes tenham basicament­e o mesmo material genético, justamente por serem idênticos, o ambiente em que são criados é distinto, o que ajudaria a desemaranh­ar a influência da hereditari­edade e o componente ambiental.

Também se pode comparar uma pessoa adotada com seus irmãos adotivos e seus irmãos de sangue (não gêmeos).

Se os irmãos idênticos ou os de sangue apresentar­em uma propensão maior ao suicídio FAIXA ETÁRIA Entre 15 anos e 29 anos de idade, é a segunda causa de morte ASSOCIAÇÃO COM TRANSTORNO­S MENTAIS Numa análise de mais de 15 mil casos de suicídio, a ligação com transtorno­s mentais se mostrou comum A PIRÂMIDE DO RISCO Ao longo da vida, de cada 100 pessoas: relatam pensamento­s suicidas chegam a planejar o ato fazem uma tentativa concreta EM QUEDA Desde o começo do século, as taxas de suicídio diminuíram 26% no mundo acaba sendo atendida num pronto-socorro após a tentativa do que a de seus irmãos adotivos, mesmo que jamais tenham tido contato entre si, a tese de que há um componente genético ligado ao problema se fortalece. De fato, é o que algumas revisões da literatura científica sugerem. IRMÃOS

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