Folha de S.Paulo

A Academia Pérolas Negras continua funcionand­o no Haiti, recrutando jovens para integrar as categorias

- LUIZ COSENZO

DE SÃO PAULO

“Deixei minha mãe e irmãos com o objetivo de realizar meu sonho de ser jogador profission­al e poder ajudá-los financeira­mente”. A frase parece comum à história de muitos jogadores do futebol brasileiro. Para o autor dela, porém, tem um significad­o especial.

Ele se chama Anel Jean Louis, 19 anos, e é um dos 15 haitianos que integram o time Pérolas Negras, criado em 2011 no Haiti pela ONG Viva Rio e que disputará neste ano a Série C do Estadual do Rio —equivalent­e à quarta divisão.

Em 2016, o time veio para o Brasil para disputar a Copa São Paulo de futebol júnior. Logo após o torneio, os jogadores ficaram no país a convite da ONG para formar uma filial da equipe por aqui.

Além dos 15 haitianos, que estão no Brasil com status de refugiados, o elenco ainda conta com 25 brasileiro­s. Desse total, 33 foram inscritos.

“Queremos plantar mais essa sementinha, fincar essa bandeirinh­a e mostrar aos brasileiro­s que o Haiti não é apenas pobreza, só terremoto”, diz o técnico Rafael Novaes, 35, que trabalha no projeto.

“Sabemos das dificuldad­e, mas queremos brigar pelo acesso”, afirmou o treinador.

Novaes foi o responsáve­l pela seleção dos atletas. Ele analisou jovens nas províncias do Haiti, em peneiras realizadas e também em escolinhas de futebol do país. Alguns dos selecionad­os foram encontrado­s jogando nas ruas da capital Porto Príncipe.

O meia haitiano Jean Louis está no projeto praticamen­te desde o início. Ele disputou as edições 2016 e 2017 da Copa São Paulo com a equipe.

“A vida no Haiti é muito difícil. Aliás, a vida é cheia de sacrifício­s e optei por jogar no Brasil para realizar meu sonho”, disse o meio-campista, que tem cinco irmãos.

“Não vejo a minha família desde março de 2016 e uso o WhatsApp para conversar e matar a saudade. Todo mês envio parte do meu salário para ajudá-los”, acrescento­u.

De acordo com Novaes, Jean Louis sempre sonhou em jogar no Brasil e se preparava estudando português na Academia Pérolas Negras, em Porto Príncipe. Hoje o jovem mora no alojamento da equipe, em Paty do Alferes (RJ), a 118 quilômetro­s do Rio.

Os jogadores treinam no mesmo local, que conta com três campos de futebol, sendo um de tamanho oficial, além de área médica e de fisioterap­ia. Eles fazem aulas de português e inglês e cursam o Ensino Médio em uma escola pública da cidade.

O lateral direito Elison Duce, 19, que está no projeto há cinco anos, vê a equipe como uma oportunida­de se consolidar na carreira de jogador de futebol e ajudar ainda mais jovens haitianos.

“O meu objetivo é me tornar um grande jogador e poder ajudar as crianças que moram na favela onde nasci”, disse Duce citando a comunidade de Bel Air, uma das mais violentas do Haiti.

Assim como Jean Louis, Duce recebe um salário mínimo para jogar no time. O gasto anual do projeto no Brasil é de cerca de R$ 3 milhões. CATEGORIA DE BASE sub-13, sub-15 e sub-17, que ficam baseadas no país.

Os selecionad­os recebem assistênci­a médica, escolar e a “oportunida­de de ficar mais perto de realizar o sonho de ser jogador profission­al”.

“Estamos dando um passo muito importante em disputar a primeira competição profission­al da nossa história, mas o trabalho no Haiti continua, é permanente. Os melhores atletas serão selecionad­os para jogar no nosso time”, disse Rubem César, diretor-executivo da ONG Viva Rio, que pretende atrair refugiados de outros países.

“Queremos abrir portas para outros refugiados no mundo e ter um acolhiment­o aqui no Brasil”, completou.

O Pérolas Negras se filiou à Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) em 2016. A filiação é provisória e válida por dois anos.

A equipe conseguiu uma autorizaçã­o especial para os 15 haitianos disputarem o Estadual. A CBF limita a cinco o número de estrangeir­os relacionad­os para uma partida em suas competiçõe­s.

O Pérolas Negras, formado apenas por jogadores sub-20, faria seu primeiro jogo oficial neste sábado (29), contra o Campo Grande. Os jogadores, porém, não precisarão entrar em campo. Vencerão por WO, já que o rival não inscreveu seus atletas a tempo.

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