Folha de S.Paulo

FLIP 2017 Curiosa serial vive pulando de reportagem em reportagem

Jornalista argentina especializ­ada em crônicas lança livro sobre dançarino

- SYLVIA COLOMBO Nesta semana Na semana passada

Pânico de faltar com a verdade, pudor de se autoplagia­r e ódio para escrever são sintomas da profissão, diz ela

Não há paz para quem tem curiosidad­e.

E a prova disso é como Leila Guerriero, 50, observa e esquadrinh­a tudo ao seu redor. Com os olhos penetrante­s e bem abertos, a jornalista encontrou-se com a reportagem da Folha para uma conversa num café da avenida Corrientes, em Buenos Aires. Guerriero é uma das principais convidadas deste ano da Flip.

“Se você é jornalista, você é um curioso serial”, definese a jornalista, famosa por suas crônicas de não ficção de fôlego que saem publicadas no “El País”, no “El Mercurio”, na revista “Gatopardo” e em outras, quando não viram livros-reportagem.

Em sua coletânea de ensaios sobre jornalismo, “Zona de Obras” (Anagrama, importado), Guerriero tenta explicar quais sintomas definem a vocação para a profissão: “pânico de faltar com a verdade, pudor de se autoplagia­r e até ódio na hora de escrever”.

Mas o pior vem depois: é que ao terminar um trabalho longo e exaustivo “vocês se sentirão vazios como quem nunca mais conseguirá escrever mais nada”. Até que, de repente, “numa noite, num bar, escutarão uma história extraordin­ária” ou “ao tomar café, lerão num jornal uma história extraordin­ária” e “sentirão um sobressalt­o. E estarão perdidos. E estar perdidos será sua salvação.”

Guerriero ri. “Sim, eu vivo assim. Do lado da minha cama tem uma pilha de recortes de jornais com notícias ou pequenas notas que li e que sei que dariam uma grande reportagem.”

Pergunto se gosta de se comparar a Truman Capote (1924-1984), que de uma notícia pequena no “New York Times” construiu seu “A Sangue Frio”, sobre uma família assassinad­a no interior do Kansas. Mas Guerriero é também

LEILA GUERRIERO,

jornalista uma defensora apaixonada da crônica jornalísti­ca latino-americana, e prefere mencionar como influência­s Rodolfo Walsh (1927-1977) e Roberto Arlt (1900-1942), “que fizeram muito antes o que fez Capote, e o faziam com as coisas que ocorriam em Buenos Aires, desde o ambiente da política ao do submundo do crime”.

No Brasil, Guerriero apresentar­á seu único livro por ora editado em português, “Uma História Simples”, em que acompanha um dançarino de malambo, um gênero do interior do país, que participa de um famoso festival folclórico na Argentina. OSSOS “Me sinto como uma narradora daqui. Prefiro escrever sobre temas argentinos. E minha ambição não é pequena quando faço uma reportagem. Se me meto de verdade, anseio para que aquele texto se torne a referência sobre o assunto. Não creio que seja uma má ambição”, diz.

Aconteceu isso com “La Voz de los Huesos”, publicado pelo jornal “El País” e que lhe rendeu prêmios, sobre a Equipe de Antropolog­ia Forense, grupo de peritos argentinos de excelência cuja especialid­ade é fazer o reconhecim­ento de restos mortais.

Na Argentina, trabalhara­m para identifica­r vítimas da ditadura (1976-1983), mas hoje, pela expertise acumulada, são chamados para colaborar em outros países.

“Quando o regime terminou, eu tinha 16 anos, e então passei a ler e a conhecer o que tinha acontecido. Mas encontrar os esqueletos armados nas mesinhas do laboratóri­o me causou um impacto diferente e mais real do que foi a máquina de matar da repressão. Aquilo tudo me arranhava o corpo. Mas aprendi com os técnicos a me conter. O impacto teria de surgir no texto, mas não a emoção, essa eu tinha que guardar para mim.”

Guerriero nasceu e cresceu no interior, em Junin, onde os acontecime­ntos políticos chegavam como um eco do que ocorria nos grandes centros. “Tenho recordaçõe­s que hoje me gelam os ossos, de ter de estudar moral e cívica e de cantar o hino nacional na escola, enquanto meu pai ia até uma outra cidade para trazer um livro proibido.” AUTORA Leila Guerriero TRADUÇÃO Raquel Gutiérrez EDITORA Bertrand Brasil QUANTO R$ 37,90 (100 págs.) ESCRITORES André Vallias, Leila Guerriero e Patrick Deville QUANDO 19h15, Auditório da Matriz; transmissã­o em www.flip.org

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Bruno Santos/Folhapress A jornalista Leila Guerriero para para fotografia em Paraty

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