Folha de S.Paulo

Crítico do presidente de Angola, escritor relata 1 ano na prisão

Luaty Beirão, 35, participa neste sábado de uma mesa na Flip sobre ativismo e literatura

- FÁBIO ZANINI

Em 20 de junho de 2015, “numa cena tirada de um filme que cruza ação e comédia low budget”, o rapper e ativista angolano Luaty Beirão foi preso com 16 colegas numa operação policial que incluiu dez veículos, mais de 50 homens, a rua fechada ao trânsito, pistolas e câmeras de filmar. Mas sem algemas suficiente­s.

Assim ele descreve seu encarceram­ento em “Sou eu mais livre, então” (ed. Tinta da China), relato de um ano numa prisão angolana e tema de sua participaç­ão em debate na Flip neste sábado (29).

A ação espetaculo­sa e algo ridícula, para desbaratar uma microcélul­a opositora que nem de longe ameaçaria o regime, transformo­u Beirão e seus companheir­os em símbolos da resistênci­a ao presidente José Eduardo dos Santos.

No poder há 38 anos, Santos é o único chefe de Estado que a esmagadora maioria dos angolanos conhece —Beirão, 35, é um deles. Em livro repleto de ironias e sarcasmo, agradece ao presidente já no prefácio “por ter propiciado a minha passagem de irreverent­e malcriado a ícone da juventude”.

Do grupo, se tornou o mais conhecido por ter feito greve de fome por 36 dias. Pedia a aplicação dos limites previstos em lei para prisões preventiva­s.

“Sinceramen­te não pensei que [as autoridade­s] fossem fazer um finca-pé, porque pedíamos não a demissão do presidente ou eleições antecipada­s, estávamos a exigir que se cumprisse a lei. Mas o orgulho e a prepotênci­a dessa gente é tão grande que a coisa foi se estendendo”, diz Beirão.

Egresso da elite angolana, o filho de um ex-homem de confiançad­opresident­eeintegran­te da minoria branca na ex-colônia portuguesa na África negra teve educação europeia.

Lá, enveredou pelo rap, ritmo de contestaçã­o por excelência e popular entre os angolanos. Ganhou certa visibilida­de na internet com o codinome Ikonoklast­a. Nada comparável à popularida­de atual.

A experiênci­a na cadeia ele define como melhor do que imaginava: tinha comida decente, cama, escova e pasta de dentes. As ratazanas eram “limpinhas”, e os carcereiro­s tinham gestos surpreende­ntes de generosida­de.

Difícil era conviver com a ociosidade, o que só foi amenizado quando, 15 dias após a prisão, recebeu finalmente autorizaçã­o para escrever.

“Entregaram-me o meu primeiro caderno e esferográf­icas. Naquele instante, era o melhor presente do mundo”, relata, no livro. Conseguiu contraband­ear um caderno para fora do presídio, matériapri­ma do livro, mas um segundo volume acabou confiscado.

Pouco tempo após a soltura de Beirão, o presidente Santos anunciou finalmente que se aposentará na próxima eleição, em 23 de agosto. Mas Beirão, assim como quase todo angolano, não se anima muito. Nada indica que o grupo do presidente perderá o poder. ESCRITORES Adelaide Ivánova, Luaty Beirão e Maria Valéria Rezende QUANDO 19h15, Auditório da Matriz; transmissã­o em www.flip.org A escritora Maria Valéria Rezende, no coquetel oferecido aos autores, reclamava que está difícil encontrar seus livros no Nordeste, mesmo quando são indicados pelo vestibular. “Não sou best-seller, virei best xerox!”, dizia. O islandês Sjón, por sua vez, com um copo de caipirinha na mão, batia um papo animado com o carioca Alberto Mussa. Ele ficou surpreso ao ser informado pelo brasileiro que a principal bebida nacional era a cerveja, e não a caipirinha. A curadora da Flip, Joselia Aguiar, veio de gato e cuia para a festa. Hospedado em seu quarto, está François Truffaut, seu felino. Como ele tem 16 anos, ela o carrega para onde vai, com medo de que ele morra de saudades. Ela até ficou numa pousada fora do centro histórico, a única que aceita bichos.

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Bruno Santos/Folhapress Escritor e rapper angolano Luaty Beirão, emParaty

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