Livro lembra crimes e processos famosos em seus bastidores
Entre a petição e o ‘causo’, advogados dissecam mortes de grande comoção, como as de PC Farias e Daniella Perez
Organizada por Pierre Moreau, obra do selo Três Estrelas traça um paralelo entre a verdade dos autos e a jornalística
O que motiva o assassino? E os advogados, como e por que defendem os facínoras?
Essas e outras curiosidades embasam a coletânea “Grandes Crimes”, lançada na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha. No evento, o livro também foi tema de mesa na Casa Folha.
Do canibalismo à repressão política, o organizador Pierre Moreau e mais 11 profissionais do direito resgatam bastidores e detalhes de casos marcantes.
Moreau, sócio da Casa do Saber e advogado, liga a motivação do trabalho a “um paralelo entre a verdade dos autos e a verdade jornalística”.
Em registro literário ou documental, as narrativas unem definições jurídicas, contextos históricos e ponderações sobre a índole humana. Muitas acompanham reproduções de reportagens sobre os fatos.
Essa comparação entre o que se ouviu dizer e o que se julgou pode surpreender, como no caso das mortes de PC Farias e Suzana Marcolino.
“Ficou a impressão de que se escondia algo, e os jurados estão sujeitos a essas especulações”, diz a advogada Luiza Nagib Eluf, crítica do que chama de “cultura do ciúme”.
Na transição da petição à literatura, eles e elas desnudam dribles e jogadas ensaiadas da ciência criminal, mas também seus limites e contradições.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau escreve sobre a morte do escritor Euclides da Cunha:
“A leitura dos autos permite perceber que há sempre mais de uma versão dos fatos. O que prevalece em qualquer ação”, conclui, “é a verdade dos autos, não a dos fatos”. MOSAICO SANGRENTO Alguns textos esclarecem, outros levantam dúvidas. Certas tramas citam personagens anônimos, e outras, figuras históricas. Pesquisas se ladeiam a crônicas e borram a fronteira entre ficção e realidade.
Em comum, um exame da advocacia por dentro; a chance de saber o que levou advogados ao sucesso em casos tidos por impossíveis.
“O júri decide imerso em carga emocional”, afirma Moreau. É nessa brecha, diz, que ele ou ela, defensores, às vezes brilham, elevando consigo a própria advocacia.
É assim em “Doutor Smith”, no qual Arnaldo Malheiros Filho (1950-2016) lembra um homem que mata três pessoas, duas com testemunhas, e es- capa a dois júris —nas palavras do autor, “um péssimo processo, com um ótimo réu”.
A amizade entre Rubens Paiva e o pai de Moreau motivou o organizador a lembrar verdades e mentiras no desaparecimento do deputado, durante a ditadura militar.
Já o advogado e professor René Ariel Dotti resgata o assassinato da socialite Ângela Diniz, em 1976, pelo qual o assassino foi absolvido por “legítima defesa da honra”.
Da narrativa do crime e da reação popular deriva reflexão sobre a dignidade e o feminicídio no Brasil. “O julgamento fortaleceu o movimento feminista”, lembra Dotti. Enterrou também, ao menos na Justiça, a tese de defesa da honra.
A advogada Alice Luz, por sua vez, reconstitui a morte da atriz Daniella Perez, em 1992. Ganha luz a apuração independente realizada pela própria mãe da vítima, a novelista Glória Perez, na ação penal.
Da leitura advém também reflexão sobre o Estado de Direito e o papel da advocacia. Mesmo —ou principalmente— em defesas de acusados moralmente “indefensáveis”.
“Narrar o exercício do direito de defesa é reforçar sua proteção”, resume Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. ORGANIZADOR Pierre Moreau EDITORA Três Estrelas QUANTO R$ 49,90 (288 págs.)