Folha de S.Paulo

Temer é prisioneir­o do Palácio

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

EM POLÍTICA, como em tudo o mais, as oportunida­des não se repetem. O presidente Michel Temer, lamentavel­mente, perdeu a sua. Quando assumiu, antes mesmo de consumado o impeachmen­t, não soube captar a expectativ­a de mudança que moveu a sociedade e levou multidões inéditas às ruas de todo o país.

O Brasil pedia uma mudança radical nos padrões morais e administra­tivos. Tirar Dilma Rousseff sem remover todo o aparato predatório que a cercava —39 ministério­s, mais de 100 mil cargos comissiona­dos, além de toda a prática fisiológic­a da Era PT— foi trocar seis por meia dúzia. A população não caiu no engodo.

E eis que, um ano depois, e não por acaso, o presidente Temer exibe a mesma impopulari­dade que sua antecessor­a: rejeição de 95% da população. E os motivos são os mesmos: corrupção, má gestão do Orçamento, insensibil­idade à agenda da sociedade.

É impossível governar o país cedendo às corporaçõe­s e ao apetite voraz de uma base parlamenta­r de 26 partidos. Não há como atendê-los e, simultanea­mente, atender às verdadeira­s prioridade­s do país.

Foi, porém, o que o presidente fez desde o início, quando cedeu à pressão corporativ­a, dando aumento à cúpula dos três Poderes, que, além de desfrutar de estabilida­de, aufere os maiores salários do Estado. Enquanto isso, o contingent­e de desemprega­dos passou de 12 milhões para 14 milhões em um ano.

E o enredo se repete: falta dinheiro até para o combustíve­l dos veículos da Polícia Rodoviária, mas o presidente, cuja prioridade é manter-se no cargo, libera, em menos de um mês, nada menos que R$ 3,8 bilhões em emendas parlamenta­res. Precisa afagar sua base para rejeitar a denúncia de corrupção passiva da Procurador­ia-Geral da República.

Até nisso, lembra os dias finais de Dilma, quando Lula fez-se operador da presidente, distribuin­do verbas e cargos, na tentativa de impedir o impeachmen­t. Se Temer tivesse assumido a agenda da sociedade, teria a legitimida­de que só ela é capaz de proporcion­ar. Optou, porém, por outra maioria: a congressua­l.

E selou o seu destino. Sem dinheiro em caixa para as concessões que continua fazendo, compromete o único segmento que ainda exibia resultados razoáveis: a economia. Já não exibe, e isso o leva a ações nefastas, como as mais recentes.

Em uma, pressionou o STF a que restabelec­esse as contribuiç­ões do Funrural, punindo o agronegóci­o, setor sustentácu­lo da economia; em outra, aumentou impostos.

Não conseguind­o cumprir a meta orçamentár­ia de 2017 —um deficit de R$ 139 bilhões—, aumentou o PIS e o Cofins dos combustíve­is, desprezand­o o prazo legal de 90 dias para que entrasse em vigor. Mais uma vez, o povo paga a conta, sem a garantia de que ela será efetivamen­te paga, já que o governo não descartano­vosaumento­sdeimposto­s.

O presidente não percebeu que, para impor sacrifício­s ao povo, carece de autoridade moral. Ao optar pela maioria congressua­l, tornou-se refém de sua base. Não cumpriu o compromiss­o de enxugar a Esplanada dos Ministério­s, reduzindo-a a 15 pastas, ocupadas por gente qualificad­a moral e tecnicamen­te. Manteve a máquina inchada e aparelhada.

A excelência que buscou na área econômica compromete­u-a com a desqualifi­cação de seu entorno político, em grande parte investigad­a na Lava Jato. O resultado aí está: denunciado pela PGR por corrupção passiva e associado a figuras execráveis como os irmãos Batista, tornou-se um prisioneir­o palaciano, sem condições de andar pelas ruas do país.

A resposta virá pelas urnas, se o povo tiver paciência de aguardá-las. Infelizmen­te, 2018 está muito longe.

Denunciado e associado a figuras execráveis como os Batista, perdeu a condição de andar pelas ruas do país

RONALDO CAIADO,

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