Carga roubada
Tornou-se recorrente entre autoridades públicas, não de todo desprovidas de razão, atribuir parcela significativa do insucesso de suas gestões à severa crise econômica que acomete o país.
Não se nega, por certo, que um prolongado quadro de penúria orçamentária comprometa serviços básicos para a população, como saúde, ensino e segurança.
Cabe, entretanto, um pouco de ceticismo diante dessa retórica, que por vezes soa como tentativa de mascarar deficiências crônicas do Estado brasileiro.
Em São Paulo, o secretário estadual da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, já creditou à recessão e ao desemprego a piora dos índices de violência.
Um exemplo é a escalada espantosa de roubo de cargas (em especial alimentos, bebidas, eletrodomésticos e remédios), em alta no Estado pelo 13° mês seguido.
De janeiro a junho deste ano, registraram-se 5.417 crimes dessa modalidade, 23% a mais em relação ao mesmo período do ano passado. Trata-se do maior aumento num primeiro semestre desde 2004.
Vistos de forma isolada, tais números ensejam, num primeiro momento, alguma correlação dos crimes com o contexto econômico atual. Observando-se a série histórica de dados, porém, verifica-se um crescimento quase constante dos delitos no Estado desde o início dos anos 2000.
Situação similar ocorreu no país como um todo —as ocorrências de roubo de carga subiram 86% apenas nos últimos seis anos. Estudo conduzido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estima os prejuízos em R$ 6 bilhões desde 2011.
Afora a violência nas estradas, notam-se efeitos deletérios que afetam toda a população, como o encarecimento dos produtos para compensar as perdas das empresas e os maiores gastos com a proteção dos caminhões.
Especialistas em segurança pública avaliam que o incremento do roubo de cargas se deu pela maior atuação de grandes organizações criminosas —que encontraram nesse tipo de infração uma fonte de financiamento importante para outras atividades ilícitas— e pela notória fragilidade do policiamento.
As circunstâncias orçamentárias por certo agravam este último ponto, mas mesmo nessas condições adversas muito ainda pode ser feito para um enfrentamento mais eficiente do crime.
Estudiosos propõem maior foco investigativo na receptação e venda de mercadorias roubadas, sem as quais o roubo perderia o sentido.
Na segurança pública, como em outras áreas, nem só de verbas depende a melhora do desempenho. Em momentos de escassez, sobretudo, faz-se necessária a boa gestão.