Folha de S.Paulo

Delação ameaçada

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BRASÍLIA - A delação do fim do mundo corre sério risco de se transforma­r em um problema. Seis meses depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal, a colaboraçã­o de executivos da Odebrecht passou a ser alvo de questionam­entos por parte de quem tem o dever de investigá-la.

Reportagem publicada pela Folha nesta segunda (31) mostra que a Polícia Federal identifico­u uma série de falhas que ameaçam a apuração das informaçõe­s que 77 delatores passaram à Procurador­ia-Geral da República no começo do ano.

Parecem verossímei­s os relatos dos executivos. Os vídeos de seus depoimento­s iniciais à PGR dão sensação de naturalida­de e realidade para o funcioname­nto de um nefasto esquema de caixa dois e propina que envolveu a Odebrecht e políticos de variados calibres e partidos.

Mas daí concluir que isso bastava para denunciar e condenar os implicados são outros quinhentos. As ponderaçõe­s que a PF tem feito nos bastidores, somadas à lentidão com que os inquéritos sobre a Odebrecht tramitam no STF, demonstram que erros podem ter sido cometidos no processo de delação da empreiteir­a.

Na avaliação de investigad­ores da polícia, por exemplo, houve certo exagero em selar um acordo com 77 executivos —bastariam seis, no máximo, afinal muitas histórias reveladas se repetem entre depoentes e com raros elementos que diferencia­m o conteúdo de um do de outro.

Faltam documentos que comprovem os relatos feitos à PGR, segundo a PF, e delatores estariam recuando de versões compromete­doras — entre eles Cláudio Melo Filho, figura chave da Odebrecht em Brasília.

Ainda há tempo para que PGR e PF tentem impedir o fracasso da delação que servira de alento aos que torcem por uma virada ética no país. Seu naufrágio alimentari­a o sentimento de impunidade que o acordo da JBS tem causado pela imunidade dada aos seus delatores e pelo provável engavetame­nto da denúncia contra Michel Temer na Câmara.

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