Folha de S.Paulo

O que será o desenvolvi­mento?

- CELSO ROCHA DE BARROS

QUANDO A estabiliza­ção econômica chegar, o que devemos fazer com o Brasil? Os últimos anos foram dedicados a reorganiza­r o que foi desmontado durante a Nova Matriz Econômica do primeiro governo Dilma. A tarefa demorou mais do que deveria ter demorado por causa da crise política. E, após tantas revisões nas projeções, é preciso reconhecer que nem sempre foi muito claro que soubéssemo­s o que estávamos fazendo.

Mas a economia está com cara de que uma hora dessas se ajeita, seja pelas políticas implementa­das, seja apesar delas, seja por uma mistura das duas coisas.

E aí será o caso de perguntar: o que deve ser o desenvolvi­mento brasileiro de agora em diante?

Dilma Rousseff sabia que essa era a pergunta. Quando assumiu a presidênci­a, o bônus de cresciment­o proporcion­ado pela alta das commoditie­s estava sumindo. E, nas décadas anteriores ao governo Lula, a economia brasileira cresceu muito pouco. Com baixo cresciment­o, seria difícil manter a política de expansão de gastos sociais que garantiram os sucessos do PT.

Dilma Rousseff sabia a pergunta, mas evidenteme­nte, não sabia a resposta. Sua solução foi tentar um outro salto de desenvolvi­mento puxado pelo Estado, como o que o Brasil havia executado com grande sucesso no século 20. Os resultados foram péssimos. O Estado quebrou, o Brasil não cresceu.

Em retrospect­o, é evidente que teria sido melhor para todo mundo se Dilma tivesse feito um ajuste, aceitado um cresciment­o menor, e perdido a eleição de 2014. Mas isso só adiaria o problema. Faz mais de trinta anos que o Brasil cresce pouco. Como reverter esse processo?

Os economista­s atualmente no governo, e seus interlocut­ores na academia, parecem aceitar um cresciment­o mais incrementa­l, mais lento, mas mais consistent­e. É um programa liberal, mas é um pouco mais do que isso. Deve haver quem ache que uma privatizaç­ão em massa resolveria tudo (duvido), mas o foco principal parece ser o aperfeiçoa­mento das instituiçõ­es econômicas brasileira­s para torná-las mais amigáveis ao funcioname­nto do mercado.

Não há garantia nenhuma de que esta estratégia crie um surto de cresciment­o como o que o Brasil experiment­ou no século 20. Mas há uma expectativ­a de que chegaríamo­s a uma solução chilena: cresciment­o razoável e mais ou menos constante, na expectativ­a de que, em algum ponto, essa mudança se traduza em um salto de patamar.

Talvez funcione, mas é importante notar que o debate Estado vs. Mercado deve ser resolvido junto com outro: qual deve ser a inserção brasileira no mercado mundial? Desde sempre, o ponto mais forte dos heterodoxo­s no debate foi a defesa da industrial­ização. Há algum plano para sermos um Chile com uma indústria mais possante? Ou tem como fazer isso aqui funcionar só vendendo commoditie­s?

Na semana passada, um sujeito brilhante me escreveu lamentando que hoje em dia, no Brasil, só há discussão civilizada entre “nerds como nós que não sabemos nem amarrar o sapato direito” (havia gente de esquerda e de direita na lista dele).

Seria interessan­te se esses debates começassem a aparecer na discussão política. Ao menos seria mais interessan­te do que saber qual dos dois acusados na Lava Jato será presidente até 2019.

PS: qual de vocês contou para o cara sobre meu problema com sapatos?

Economista­s atualmente no governo parecem aceitar um cresciment­o mais lento, mas mais consistent­e

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