Folha de S.Paulo

FLIP 2017 Festa acerta em curadoria diversa, mas peca em debates

Parte das mesas teve mediação fraca e falta de entrosamen­to entre autores

- MAURÍCIO MEIRELES

Público atingiu 20 mil pessoas, queda de 13% em relação a 2016; nova sede, igreja apresentou problemas de acústica

A proposta da Flip (Festa Literária Internacio­nal de Paraty) de fazer neste ano uma festa com convidados menos conhecidos não deu certo —e isso não tem a ver com qualidade literária ou intelectua­l dos autores.

É preciso registrar o trabalho de pesquisa da curadoria para buscar uma programaçã­o fora do eixo. Sempre que festivais literários são criticados pela pouca representa­tividade, eles costumam se esquivar dizendo serem apenas um reflexo do catálogo das editoras.

A Flip mostrou, assim, que é possível desligar o piloto automático. Estas eram as qualidades dadas a priori. Mas, passada a festa, vê-se que, na prática, problemas atrapalhar­am a evolução do projeto proposto inicialmen­te.

O evento —que tem lá sua dimensão de espetáculo— sofreu com falta de entrosamen­to ou incompatib­ilidade de perfis entre debatedore­s em parte das mesas. Mediações ruins em debates importante­s também contribuír­am.

O encontro entre Marlon James e Paul Beatty no sábado ilustra as fragilidad­es. Os dois lançaram no país romances elogiadíss­imos, que renderam o Man Booker Prize.

Mas, enquanto James tratou de forma perspicaz as questões literárias trazidas à tona, Beatty não desenvolve­u suas ideias, iniciando grande parte de suas respostas com um “eu não sei”, quando não seguia um raciocínio tortuoso.

O encontro entre Deborah Levy e William Finnegan, bem como o de Carlos Nader e Diamela Eltit, eram apostas certas, mas também não decolaram. Houve mediações marcadas por perguntas genéricas (em uma mesa, autores foram questionad­os sobre o que era verdade em seus livros).

Os momentos em que a Flip revela toda a sua dimensão de espetáculo —criticada, mas essencial para seu sucesso como projeto turístico e comercial— também foram poucos.

“Essa crítica de não haver mesa de destaque tem a ver com termos trazido autores que não se enquadram no padrão do mercado, mais desconheci­dos”, diz Joselia Aguiar, curadora da Flip. “Com o autor mais conhecido você entra em outro nível de interação.”

Em 2017, a escalação da Flip

Sucesso das mesas com Lázaro Ramos e a escritora ruandesa Scholastiq­ue Mukasonga surtiu efeito nas vendas de livros “A MULHER DOS PÉS DESCALÇOS”

AUTORA Scholastiq­ue Mukasonga EDITORA Nós trouxe um recorde de mulheres. Elas eram 23, ante 22 homens. Os negros representa­vam 30%. A literatura de língua inglesa, sempre estrela da festa, desta vez estava bem menos presente. Entre os convidados, além de Beatty e James, os únicos a escrever no idioma eram Finnegan e Levy. PÚBLICO E DESTAQUES O público pagante parece não ter se empolgado com a programaçã­o. Na igreja, onde os ingressos custavam R$ 55, era comum ver lugares vazios entre as 450 cadeiras e saída de pessoas no meio do debate. Já na tenda do telão, com 700 lugares, ocorria o contrário — cheia, com público vibrante. A Flip diz que passaram 20 mil pessoas pela festa literária neste ano —em 2016, foram 23 mil.

As redes de ativismo negro se mobilizara­m para comparecer à “Flip da diversidad­e”. Na mesa da escritora Conceição Evaristo, a plateia era mais negra do que em qualquer outro debate.

Houve grandes momentos na festa. A começar pela abertura, com aula dramatizad­a

“LIMA BARRETO - TRISTE VISIONÁRIO”

AUTORA Lilia Moritz Schwarcz EDITORA Companhia das Letras de Lilia Moritz Schwarcz e Lázaro Ramos sobre Lima Barreto. A novidade substituiu a tradiciona­l conferênci­a sobre o autor homenagead­o. O encontro entre Noemi Jaffe e Scholastiq­ue Mukasonga comoveu o público.

Outro momento a ser lembrado é a intervençã­o da professora aposentada Diva Guimarães na mesa com Lázaro Ramos e Joana Gorjão Henriques. Ela levou ator e público às lágrimas ao contar como enfrentou o racismo e virou uma celebridad­e instantâne­a.

Em nota dissonante, o escritor carioca Anderson França precisou cancelar sua participaç­ão na programaçã­o paralela após receber uma ameaça de morte —ele havia denunciado mensagens de ódio. IGREJA A igreja funcionou como espaço para os debates principais e deixou vivo o movimento na praça da Matriz —mas o aperto, a visibilida­de e a acústica do templo foram problemáti­cos. O formato de anfiteatro da tenda, não montada neste ano, ajudava quem estava nas fileiras do fundo.

A Flip optou por usar o templo católico por falta de verba. O orçamento da festa vem diminuindo R$ 1 milhão a cada ano, desde 2014, e desta vez foi de R$ 5,8 milhões —50% de patrocínio via Lei Rouanet.

Do total, R$ 3,7 milhões são despesas do evento em si, e os demais são custos fixos da Casa Azul, organizaçã­o que produz o evento.

“NOSSA SENHORA DO NILO”

AUTORA Scholastiq­ue Mukasonga EDITORA Nós

“COM O MAR POR MEIO”

AUTORES Jorge Amado e José Saramago EDITORA Companhia das Letras

 ??  ?? Fila para entrar em evento da Casa Folha no sábado (29)
Fila para entrar em evento da Casa Folha no sábado (29)
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil