Inclusão não inclusiva
NA EDIÇÃO mais inclusiva da Festa Literária Internacional de Paraty, autores negros eram 30% dos convidados e escritoras mulheres, maioria nos palcos.
Contradições internas e externas ao evento, no entanto, indicam que os desdobramentos da proposta curatorial tropeçaram em nossos abismos sociais como o público nas pedras do centro histórico da cidade. A lista é extensa.
1. A direção de uma renomada revista feminina teve dois pedidos de credenciamento para a cobertura da “Flip das mulheres” ignorados. Alguém poderia pensar que o fato se deveu ao equivocado senso comum segundo o qual mulher que gosta de roupas e cosméticos não se interessa por literatura. A organização diz que as solicitações devem ter se perdido.
2. O escritor carioca Anderson França teve de cancelar sua participação na programação paralela ao evento após sofrer ameaça de morte com motivações de cunho racista. Uma pessoa não identificada disse que pagaria R$ 30 mil para que França fosse morto durante a Flip. O caso é investigado pela Delegacia de Repressão a Crimes de Informática.
3. Os dois representantes indígenas que subiram ao palco do Auditório da Praça tiveram dificuldade para encontrar pares entre o público. Índios ocupam o centro histórico com artesanato de origem guarani e pataxó, assentamentos que existem no município. Auiri Baichú, 15, que desde os cinco anos vai a Paraty para vender peças depois da escola, acha legal “terem percebido que é preciso colocar um índio lá na frente”. Mas diz que, cada vez mais, os comerciantes locais tomam medidas para expulsar os índios camelôs.
4. A Guarda Civil Municipal protagonizou episódios de violência nas ruas em que circulavam os turistas. Os guardas apreenderam livros caseiros de alguns artistas-ambulantes. Ao sequestrarem a mercadoria de um vendedor, dois deles foram cercados pelos populares. Aos gritos de “devolve!”, diziam que aqueles eram “trabalhadores”. Acuados, distribuíram cacetadas nos turistas que filmavam a ação e foram embora.
Contradições indicam que proposta curatorial tropeçou em nossos abismos sociais