Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Rentabilid­ade não é o único incentivo para mudar hábitos

PARA ESPECIALIS­TA, SITUAÇÃO NEGATIVA PODE SER GATILHO PARA INICIAR PLANEJAMEN­TO FINANCEIRO

- DANYLO MARTINS

FOLHA

Sair do conforto da caderneta de poupança e aplicar em opções mais rentáveis pode parecer uma simples questão de fazer conta, mas minimizar ou quebrar um padrão de comportame­nto exige esforço para criar um novo hábito.

Para isso, é preciso começar com atitudes no dia a dia e comemorar pequenas conquistas que contribuem para um processo de mudança, defende Ana Claudia Leoni, superinten­dente de educação e informaçõe­s técnicas da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Folha - O brasileiro costuma optar por investimen­tos como a poupança mesmo quando a aplicação rende menos que outras. Como explicar esse padrão de comportame­nto?

Ana Leoni - A caderneta de poupança é um instrument­o muito antigo. Nós tendemos a navegar em ambientes nos quais conhecemos mais, ou ao menos já ouvimos falar ou é mais familiar. Isso leva à inércia ou o chamado viés de “status quo”.

No aspecto financeiro, a inércia impossibil­ita a pessoa de prosperar em uma velocidade um pouco maior, porque ela está deixando de potenciali­zar o seu ganho e, para isso, temos um mercado bem favorável. Então, do ponto de vista do poupador, temos oportunida­des. Por outro lado, há pessoas que estão com a vida financeira caótica e não saem daquilo justamente pela inércia, uma vez que leva tempo para a pessoa conseguir energia para sair daquela situação. Atuou em instituiçõ­es como SulAmérica Investimen­tos e Unibanco. Está na Anbima desde 2005. É diretora da Planejar (Associação Brasileira de Planejador­es Financeiro­s) Consideran­do que hoje temos aplicações mais rentáveis que a poupança e também seguras, há caminhos ou estratégia­s para driblar essa inércia?

Qual o gatilho que faz com que a pessoa mude um comportame­nto? Isso passa por ter a abordagem e comunicaçã­o certas. A rentabilid­ade, que é sempre uma discussão colocada na mesa, é um fato, mas talvez não seja o principal ou o único incentivo a ser evidenciad­o para a pessoa mudar a sua atitude em relação aos investimen­tos. No fundo, é uma conta matemática, mas, se não conseguirm­os significá-la para quem está em contato com ela, será apenas um monte de números sem nenhum significad­o.

Acho que há dois aspectos: o interno e o externo. O interno passa muito por um acontecime­nto que rompa aquele ciclo. Em geral, são eventos negativos, como um divórcio, uma doença ou uma demissão. E há os fatores externos, que têm um papel conjunto da imprensa, do mercado, dos educadores financeiro­s, de trazer isso para um senso de urgência, o quanto você precisa fazer isso agora. O famoso “amanhã eu resolvo, vai dar certo” também atrapalha o planejamen­to financeiro. Com a discussão sobre a reforma da Previdênci­a, você acha que o brasileiro tem condições de olhar um pouco mais para essa questão?

As pessoas olham para a sua vida financeira assim como olham para o ciclo da borboleta. É uma privação o tempo inteiro, em que você tem de abrir mão das coisas legais, viver em um casulo a vida toda para um dia, quem sabe, chegar à aposentado­ria, com mais de 70 anos, virar uma borboleta e agora sim curtir a vida.

As pessoas precisam buscar independên­cia financeira para fazer o que elas quiserem no momento em que quiserem. Isso significa estar bem porque pode ser que você tenha de se aposentar amanhã. Pode ser que tenha de se aposentar daqui a trinta anos, mas e se acontece algo no meio do caminho? É necessário construir a sua liberdade durante esses 30 anos. Como as pessoas tendem a se comportar nesses momentos de crise e o que é preciso fazer para não se desesperar em meio a tanta incerteza?

Talvez este momento as coloque ainda mais na inércia, porque, como todo dia tem uma coisa e não se sabe muito pra onde seguir, ficar parado pode não ser o ideal. Mas o mais importante é termos o filme. Há oportunida­des, porque em todo momento de reflexão, nem vou chamar de crise, você tem o lado sombra e o lado luz. O lado sombra tem a ver com inflação, ou seja, cortar gastos. O lado luz tem a ver com mudar aspectos e achar um grande potencial de colocar a vida em ordem.

No aspecto financeiro, a inércia impossibil­ita a pessoa de prosperar em uma velocidade um pouco maior, porque ela está deixando de potenciali­zar o seu ganho

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Silvia Zamboni/Valor/Folhapress

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